segunda-feira, 29 de junho de 2009

A la Libertad



Como del fondo mismo de los cielos
el sol eterno rutilante se alza,
como el seno turgente de una virgen
al fuego de la vida se dilata:
Así radiosa,
y así gallarda
se levantó del mar donde yacía
la exuberante tierra americana.
Como prende su túnica de raso
con su joya mejor, la soberana,
como entre todas las estrellas reina
el lucero magnífico del alba;
Así pulida,
y así gallarda
sobre todos los pueblos de su estirpe,
resplandor y joyel, ¡surge mi patria!
Como buscan la luz y el aire libre
las macilentas hierbas subterráneas,
como ruedan tenaces y tranquilas
al anchuroso piélago, las aguas;
Así sedienta,
y así porfiada,
la triste humanidad se precipita
al pie de la bandera azul y blanca.
¡Allí van congregándose a la sombra,
para formar después una montaña!
¡Allí van adhiriéndose en el tiempo
partícula a partícula las razas!
Allí se funde,
y allí se amasa
el hombre, tal como surgió en la mente
del autor de los orbes y las almas.
Que así pulida,
y así gallarda
sobre todos los pueblos de su estirpe,
resplandor y joyel, ¡surgió mi patria!

Pedro Palácios
(Almafuerte)
Argentina 1854-1917

X



If I were loved, as I desire to be,
What is there in the great sphere of the earth,
And range of evil between death and birth,
That I should fear,–if I were loved by thee?
All the inner, all the outer world of pain
Clear Love would pierce and cleave, if thou wert mine,
As I have heard that, somewhere in the main,
Fresh-water springs come up through bitter brine.
’Twere joy, not fear, claspt hand-in-hand with thee,
To wait for death–mute–careless of all ills,
Apart upon a mountain, tho’ the surge
Of some new deluge from a thousand hills
Flung leagues of roaring foam into the gorge
Below us, as far on as eye could see.


Lord Alfred Tennyson
(Early Sonnets)

Spring Night in Lo-yang Hearing a Flute



In what house, the jade flute that sends these dark notes drifting,
scattering on the spring wind that fills Lo-yang?
Tonight if we should hear the willow-breaking song,
who could help but long for the gardens of home?


Li Po-
(701-762)

Out for a walk



The margins of the forest are beautiful,
as if painted onto the green slopes.
I walk around, and sweet peace
rewards me for the thorns
in my heart, when the mind has grown
dark, for right from the start
art and thinking have cost it pain.
There are lovely pictures in the valley,
for example the gardens and trees,
and the narrow footbridge, and the brook,
hardly visible. How beautifully
the landscape shines, cheerfully distant,
like a splendid picture, where I come
to visit when the weather is mild.
A kindly divinity leads us on at first
with blue, then prepares clouds,
shaped like gray domes, with
searing lightning and rolling thunder,
then comes the loveliness of the fields,
and beauty wells forth from
the source of the primal image.


Friedrich Hölderlin
Translations by James Mitchell

'Now slumbers my soul '



The storm felled trees,
O, my soul was a forest.

Did you hear my cries?
Because your eyes stayed fearfully open.
Stars scattered night
In my forgotten blood.

Now slumbers my soul
Hesitating on tiptoe.

O, my soul was a forest;
Palms shadowed,
On the boughs hung love.
Comfort my soul in its sleep..

Else Lasker-Schüler
Translation english: Gary Bachlund

If I could tell you



Time will say nothing but I told you so,
Time only knows the price we have to pay;
If I could tell you I would let you know.

If we should weep when clowns put on their show,
If we should stumble when musicians play,
Time will say nothing but I told you so.

There are no fortunes to be told, although,
Because I love you more than I can say,
If I could tell you I would let you know.

The winds must come from somewhere when they blow,
There must be reasons why the leaves decay;
Time will say nothing but I told you so.

Perhaps the roses really want to grow,
The vision seriously intends to stay;
If I could tell you I would let you know.

Suppose all the lions get up and go,
And all the brooks and soldiers run away;
Will Time say nothing but I told you so?
If I could tell you I would let you know.

W.H. Auden
(Wystan Hugh Auden
England-1907-1973)

domingo, 28 de junho de 2009

JANELAS NO MAR



(- No meio do mar, há janelas sobre janelas.
- A rede.)
Adivinhação africana.



Há sobre o mar janelas e janelas:
são redes, são cantigas e são velas.

Panos-da-costa vão se desdobrando
no mistério das águas flutuando.

A floresta é vencida pela areia
mas o mar só se curva à lua cheia.

Anda comigo, amada. O amor hum ano
pode descer ao fundo chão do oceano.

E ressurgir das águas e sobre elas
caminhar bem mais leve do que as velas.

O céu morreu nas mãos donas do espaço.
Resta a Terra. Tão só! Dá-me teu braço.

Vem comigo. O mar se abre à nossa dor
e os peixes pasmarão com o nosso amor.

E no silêncio móvel copiarão
nossos gestos contidos de paixão.


Odylo Costa Filho
in Cantiga Incompleta

Nem sempre sou igual no que digo e escrevo



Nem sempre sou igual no que digo e escrevo.
Mudo, mas não mudo muito.
A cor das flores não é a mesma ao sol
De que quando uma nuvem passa
Ou quando entra a noite
E as flores são cor da sombra.
Mas quem olha bem vê que são as mesmas flores.
Por isso quando pareço não concordar comigo,

Reparem bem para mim:
Se estava virado para a direita,
Voltei-me agora para a esquerda,
Mas sou sempre eu, assente sobre os mesmos pés —
O mesmo sempre, graças ao céu e à terra
E aos meus olhos e ouvidos atentos
E à minha clara simplicidade de alma ...


Alberto Caeiro
O Guardador de Rebanhos

"YO SE QUE MI PERFIL SERA TRANQUILO"




Yo sé que mi perfil será tranquilo
en el musgo de un norte sin reflejo.
Mercurio de vigilia, casto espejo
donde se quiebra el pulso de mi estilo.

Que si la yedra y el frescor del hilo
fue la norma del cuerpo que yo dejo,
mi perfil en la arena será un viejo
silencio sin rubor de cocodrilo.

Y aunque nunca tendrá sabor de llama
mi lengua de palomas ateridas
sino desierto gusto de retama,

libre signo de normas oprimidas
seré en el cuerpo de la yerta rama
y en el sinfín de dalias doloridas.


Frederico García Lorca

'CAMINHOS'


Trevas, luzes
caminhos ou descaminhos
de raízes mortas ou vivas.

Há gritos, sorrisos
perpetuando-se.

Há lembranças de fugas
de abismos
com ecos em estertores.

Há vozes em bocas de crianças
como pessegueiros
florindo após tanto sol.

E a vida
que era algas
descreveu orquestrações
fluiu intangível
descreveu elegias de amor.

Amou o amor na pureza das vagas
sem que as luzes fossem apagadas.


Alvina Nunes Tzovenos
in 'Palavras ao Tempo'

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Indifference



The opposite of love is not hate, it's indifference.
The opposite of art is not ugliness, it's indifference.
The opposite of faith is not heresy, it's indifference.
And the opposite of life is not death, it's indifference.

Elie Wiesel

Tarde com sol



As coisas simples dizem-se depressa ; tão depressa
que nem conseguimos que as ouçam. As coisas
simples murmuram-se; um murmúrio
tão baixo que não chega aos ouvidos de ninguém.
As coisas simples escorrem pela prateleira
da loja; tão ao de leve que ninguém
as compra. As coisas simples flutuam com
o vento; tão alto, que não se vêm.

São assim as coisas simples: tão simples
como o sol que bate nos teus olhos, para
que os feches, e as coisas simples passem
como sombra sobre as tuas pálpebras.


Nuno Júdice

AO MUNDO

(Photo by Fernando Campanella)


Vai entender os poetas
os que rastreiam a luz esconsa
o verbo intáctil
das manhãs.

Alcançariam seu intento
quando a noite os desperta
(real tormento)
a cada incauto morder de romãs?
Sim, pois destilam os sonhos
nas entrelinhas.


Ao mundo, o que é do mundo,
ao estado límpido de alma
(entendamos os poetas)
o que da comunhão dos pastores,
da poesia.


Fernando Campanella

SEPARAÇÃO



Um dia, estando entre nós dois o Atlântico,
senti a tua mão na minha;
Agora, tendo a tua mão na minha,
sinto entre nós dois o Atlântico.



Israel Zangwill
(1864 – 1929)
in Poesia de Israel
Tradução: Cecília Meireles

quinta-feira, 25 de junho de 2009

POEMA



Antes que seja tarde
Quero recolher a luz que multiplica as folhas,
Que está suavemente redobrando as cores na superfície dos mares
E destacando para os meus olhos
Os movimentos dos insetos, a plumagem dos pássaros
Como a atração de um brinquedo
Diante de uma criança
Quero recolher dentro da minha mão trêmula e espalmada
Um pouco do calor do sol
Que está aquecendo os canteiros em flor
E gesticulando em surdina as raízes sob a terra.
Quero recolher a tarde desde a primeira hora
Que vem caindo docemente sobre o universo
Para não perder a gestação das sombras
No ventre da noite
As sombras que são amigas da sombra do meu corpo.
Antes que seja tarde
Quero levantar meu rosto
À luz da lua
Essa luz fria e azulada
Que ilumina os oceanos distantes,
Que se deita sobre as praias desertas
E que se alarga no silêncio dos cemitérios
Para recolher a claridade do dia
E a expansão grandiosa da noite,
Os seus olhos estarão irremediavelmente vazios
Para o contato dos acontecimentos.



Adalgisa Nery
in Cantos da Angústia

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Momento



O vôo dos pássaros prolonga
a beleza das tardes.
E há, em nosso olhar,
um vasto
dealbar.
Tudo, em grandeza, torna-se possível.
O visível nasce do invisível.
As nuvens acenam, de repente.
E aquilo que emergiu
é o emergente.

Artur Eduardo Benevides

Todo o presente espera pelo passado para nos comover



Há vária gente que não gosta de evocar o passado. Uns por energia, disciplina prática e arremesso. Outros por ideologia progressista, visto que todo o passado é reacionário. Outros por superficialidade ... Outros por falta de tempo, que todo ele é preciso para acudir ao presente e o que sobra, ao futuro. Como eu tenho pena deles todos. Porque o passado é a ternura e a legenda, o absoluto e a música, a irrealidade sem nada a acotovelar-nos. E um aceno doce de melancolia a fazer-nos sinais por sobre tudo. Tanta hora tenho gasto na simples evocação. Todo o presente espera pelo passado para nos comover. Há a filtragem do tempo para purificar esse presente até à fluidez impossível, à sublimação do encantamento, à incorruptível verdade que nele se oculta e é a sua única razão de ser. O presente é cheio de urgências mas ele que espere. Ha tanto que ser feliz na impossibilidade de ser feliz. Sobretudo quando ao futuro já se lhe toca com a mão. Há tanto que ter vida ainda, quando já se a não tem...

Vergílio Ferreira
In 'Conta-Corrente 5'

CANTIGA DO ECO



Deixei o rasto no silêncio
jamais vi de que lado cresço;
mas ando em bocas sem silêncio,
onde esqueci o meu começo;


risco metáforas com a bota
do Vento. Aonde vou, componho
a fisionomia remota
achada no Reino do Sonho;


ir ou ficar! – me quebro em mim
entre as curvas do movimento
e, ao olhar-me, descubro em mim
mãos vazias, dedos de vento.


Colombo de Sousa
In: Estágio

CÂNTICO



Colho o inefável entre as mãos do vento
como quem colhe rosa em pensamento;


cresço no Tempo e o colorido lento
do vento apaga minha realidade;


pássaro livre nos jardins cifrados,
vôo em violino, em minhas mãos me invento.


Colombo de Sousa
In: Estágio

Razões Conjugadas



Da tristeza, tempo nascido do sonho,
Formaram-se o vento, as águas mansas,
A escuridão úmida sob o sol,
A neve amortalhando as distâncias,
O pranto confuso,
O silêncio compacto, tão pesado.

No caminho já pisado por mil pés
Há relva à procura da luz imaculada.

Tão relva quanto tão estrela
Ambas em tristeza confirmadas
Como o pranto tão confuso, tão chorado,
O silêncio tão compacto, tão pesado.
Ações do corpo conjugadas
Às canções que permanecem ocultas
À voz alegre dos rios,
Ao vôo das asas alumbradas.
Cárceres de sonhos e temores,
Desejos de morte sobre mortes,
No pranto tão confuso, tão chorado,
No silêncio tão compacto, tão pesado.


Adalgisa Nery
in "Erosão"

VELHO TEMA



Na carícia de místico segredo
vivia humilde como flor na gruta,
quando, a medo,
deixei o meu refúgio e o alvo manto
de meu pranto,
para confiar-te a triste calma
de minha alma.
Enfeitei toda a casa de guirlandas
como um presépio, e tremulo te disse
coisas brandas,
querendo unir a sombra dos meus olhos
aos teus olhos,
nesse tímido amor que é a beleza
da tristeza.


Mas quando te conheci que criado havia
nas linhas do teu corpo a branca estátua
da poesia,
riste ... enquanto aos meus olhos rasos de água
pela mágoa
vagava alguém num barco pelas brumas:
o amor resignado entre a ironia
das espumas.



Miguel Reale
In: Poemas do Amor e do Tempo

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Revelação



Só o passado que
aguarda no futuro
revelará a limpidez
maior desta tarde.

Ai que somos felizes
agora
mas não tanto
como amanhã, no passado.

Ruy Espinheira Filho

Cair da noite



Cai a noite a mudar devagar os vestidos
que uma franja de árvores velhas lhe segura;
olhas: e separam-se de ti as terras:
uma que vai para o céu, outra que cai;

e deixam-te, sem pertenceres de todo a qualquer delas,
não tão escuro como a casa silenciosa,
não tão seguro a evocar o eterno
como a que cada noite se faz estrela e sobe;

e deixam-te (indizível de desenredar!)
a tua vida, angustiada, gigantesca, a amadurar, tal
que, ora limitada ora compreensiva,
alterna em ti - ou pedra ou astro.

Rainer Maria Rilke

ODE


VISLUMBRES DA IMORTALIDADE VINDOS DA PRIMEIRA INFÂNCIA

V

Nosso nascimento não é senão sonho e esquecimento:
A alma que conosco se ergue, Estrela de nossa vida,
Teve poente noutro recanto
E vem de longe imbuída:
Não de vez esquecida,
Nem totalmente despida,
Arrastando nuvens de glória, viemos a nos originar
De Deus, que é o nosso lar:
O céu nos envolve na infância!
As trevas do cárcere começam a encerrar
O Menino que cresce;
Mas Ele contempla a luz de onde ela vem brilhar,
A vê em sua alegria que resplandece;
O Jovem, ao se afastar deste nascente com certeza,
Trafega, ainda sendo o Sacerdote da Natureza,
É acompanhado em sua jornada
Pela visão encantada;
Por fim, o Homem percebe que a sua vida perece,
E na luz de um dia comum desvanece.

William Wordsworth
in 'O olho Imóvel Pela Força da Harmonia'

I WANDERED LONELY AS A CLOUD



I WANDERED lonely as a cloud
That floats on high o'er vales and hills,
When all at once I saw a crowd,
A host, of golden daffodils;
Beside the lake, beneath the trees,
Fluttering and dancing in the breeze.

Continuous as the stars that shine
And twinkle on the milky way,
They stretched in never-ending line
Along the margin of a bay:
Ten thousand saw I at a glance,
Tossing their heads in sprightly dance.

The waves beside them danced; but they
Out-did the sparkling waves in glee:
A poet could not but be gay,
In such a jocund company:
I gazed--and gazed--but little thought
What wealth the show to me had brought:

For oft, when on my couch I lie
In vacant or in pensive mood,
They flash upon that inward eye
Which is the bliss of solitude;
And then my heart with pleasure fills,
And dances with the daffodils.


William Wordsworth
(07/04/1770-23/04/1950)
England


EU VAGAVA QUAL NUVEM FLUTUANDO


Eu vagava qual nuvem flutuando
Por sobre o vale e o monte em solidão,
Quando vi de repente uma hoste, um bando
De narcisos dourados pelo chão,
Junto ao lago, debaixo da ramagem,
A adejar e a dançar à doce aragem.

Em linha como a que de noite brilha
E pisca na Via Láctea, se estendia
Sua contínua e interminável trilha
Nas margens ao redor de uma baía:
Dez mil eu vi, em dança desvairada,
Balançando as cabeças sem parada.

A água também dançava; não obstante,
Eles a superavam na alegria ...
Um poeta só podia estar radiante
Naquela tão jucunda companhia.
Olhei e olhei ... mas sem imaginar
Que tesouro ganhara em tal lugar:

Porque quando, vazio e cismador,
Repouso no divã, eis que amiúde
Fulgem eles naquele olho interior
Que a solidão é beatitude;
E então minha alma se abre em mil sorrisos,
E se põe a dançar com os narcisos.

William Wordsworth
in Poesia Selecionada

Sublime Sentimento



Senti
Uma presença que me enche da alegria
Que vem da elevação do pensamento, um sublime
Senso de uma profunda integração
Que residia na luz dos sóis poentes
Por sobre os mares, e pelo ar vibrante
E o céu azul, e pela mente do homem
- Uma vibração e um espírito, que movem
Tudo que pensa, e tudo o que é pensado
E interpenetra todas as coisas


William Wordsworth
in: “O Céu da Mente”, de Timothy
Ferris, p.61, Ed. Campus, 1997. -

Glycine’s Song



A Sunny shaft did I behold,
From sky to earth it slanted:
And poised therein a bird so bold
Sweet bird, thou wert enchanted!
He sank, he rose, he twinkled, he troll’d
Within that shaft of sunny mist;
His eyes of fire, his beak of gold,
All else of amethyst!
And thus he sang: ‘Adieu adieu!
Love’s dreams prove seldom true.
The blossoms, they make no delay:
The sparkling dew-drops will not stay.
Sweet month of May,
We must away;
Far, far away!
To-day! to-day!


Samuel Taylor Coleridge
(21/10/1772- 25/07/1834)
England

sábado, 20 de junho de 2009

ASFALTO



Quando andares cabisbaixo
com a carga de um dia... de dois dias...
de não sei quantos dias...
ou com a carga de uma vida,
vê o asfalto como fala
e compartilha...
Fala claro seu negrume
calado, mas premente,
de ecléticos vestígios
passados e presentes,
civilizados e degradantes,
rolando ao vento,
deleitando os fatalistas,
os retardatários e fatigados,
os impelidos, os submissos e os contrafeitos
pelo impacto compacto;
enquanto,
ao mesmo compasso
descompassado do tempo,
nas mesmas ruas
com itinerários diferentes,
marcham seres em seus caminhos,
amando, acreditando,
na escolha emaranhada
de seus destinos,
embora para todos
o asfalto é negro,
submisso e prestadio.
Quando tiveres sede de paisagens
e te faltar a gênese do horizonte,
especialmente num dia chuvoso,
vê como o asfalto apanha e enriquece
os sensacionalistas clarões dos fosforescentes,
e faz numa só seqüência
um guache trêmulo, refletido,
deixando as lágrimas da chuva
arrastarem a lama...


Carlos Frydman

Louvação da Quietude



Escrituras de luz investem na sombra, mais prodigiosas que
meteoros.
A alta cidade irreconhecível avança sobre o campo.
Certo de minha vida e de minha morte, fito os ambiciosos e
tento entendê-los.
Seu dia é ávido como o laço no ar.
sua noite é trégua da ira do ferro, prestes a atacar.
Falam de humanidade.
Minha humanidade está em sentir que somos vozes de uma
mesma penúria.
Falam de pátria.
minha pátria é um lamento de guitarra, alguns retratos e
uma velha espada,
a desvelada prece dos salgueiros nos fins de tarde.
O tempo está vivendo-me.
Mais silencioso que minha sombra, cruzo o tropel de sua
exaltada cobiça.
Eles são imprescindíveis, únicos, merecedores da manhã.
Meu nome é alguém e qualquer um.
Passo devagar, como quem vem de tão longe que não espera
chegar.

Jorge Luis Borges

LAS COSAS




El bastón, las monedas, el llavero,
la dócil cerradura, las tardías
notas que no leerán los pocos días
que me quedan, los naipes y el tablero,

un libro y en sus páginas la ajada
violeta, monumento de una tarde
sin duda inolvidable y ya olvidada,
el rojo espejo occidental en que arde

una ilusoria aurora. ¡Cuántas cosas,
láminas, umbrales, atlas, copas, clavos,
nos sirven como tácitos esclavos,

ciegas y extrañamente sigilosas!
Durarán más allá de nuestro olvido;
no sabrán nunca que nos hemos ido.

Jorge Luis Borges

LA LLUVIA



Bruscamente la tarde se ha aclarado
porque ya cae la lluvia minuciosa.
Cae o cayó. La lluvia es una cosa
que sin duda sucede en el pasado.

Quien la oye caer ha recobrado
el tiempo en que la suerte venturosa
le reveló una flor llamada rosa
y el curioso color del colorado.

Esta lluvia que ciega los cristales
alegrará en perdidos arrabales
las negras uvas de una parra en cierto

patio que ya no existe. La mojada
tarde me trae la voz, la voz deseada,
de mi padre que vuelve y que no ha muerto.

Jorge Luis Borges
(Argentina)

A chuva

Bruscamente a tarde se clariou
Porque já cai a chuva minuciosa.
Cai ou caiu. A chuva é uma coisa
Que sem dúvidas acontece no passado.

Quem escuta cair há recobrado
O tempo em que a sorte venturosa
Lhe revelou uma flor chamada rosa
E a curiosa cor do vermelho.

Esta chuva que cega os cristais
Alegrará em perdidos arredores
As negra uvas de uma videira certamente

Pátio que já não existe. A molhada
Tarde me trai a voz, a voz desejada,
De meu pai que retorna e que não morreu.

Jorge Luis Borges

"AQUI HOJE"



"Já somos o esquecimento que seremos.
A poeira elementar que nos ignora
e que foi o ruivo Adão e que é agora
todos os homens e que não veremos.

Já somos na tumba as duas datas
do princípio e do término, o esquife,
a obscena corrupção e a mortalha,
os ritos de morte e as elegias.

Não sou insensato que se aferra
ao mágico sonido de teu nome:
penso com esperança naquele homem
que não saberá que fui sobre a Terra.
Embaixo do indiferente azul do céu
esta meditação é um consolo."


Jorge Luiz Borges
tradução: Charles Kiefeer

Magna



Bem no fundo do sonho estão os sonhos. A cada
Noite quero perder-me nas águas obscuras
Que lavam o dia, mas sob essas puras
Águas que nos concedem o penúltimo Nada
Pulsa na hora cinza o obsceno portento.
Pode ser um espelho com meu rosto distinto,
Pode ser a crescente prisão de um labirinto
Ou um jardim. O pesadelo sempre atento.
Seu horror não é deste mundo. Causa inominada
Alcança-me desde ontens de mito e de neblina;
A imagem detestada perdura na retina
A infama a vigília como a sombra infamada.
Por que brota de mim, quando o corpo repousa
E a alma fica só, esta insensata rosa?

Jorge Luis Borges

O Despertar



Entra a luz e ascendo inertemente
Dos sonhos para o sonho repartido
E as coisas recuperam o seu devido
E aguardado lugar e no presente
Concentra se, opressivo e vasto, o vago
Ontem: as seculares migrações
Das aves e dos homens, as legiões
Que o ferro destruiu, Roma e Cartago.
Também regressa a quotidiana história:
Meu rosto, minha voz, receio e sorte.
Ah, se aquele outro despertar, a morte
Me apresentasse um tempo sem memória
Do meu nome e de tudo o fui sendo!
Se nesse dia houvesse esquecimento!

Jorge Luis Borges
(Argentina)


'DESPERTAR'

Entra la luz y asciendo torpemente
de los sueños al sueño compartido
y las cosas recobran su debido
y esperado lugar y en el presente
converge abrumador y vasto el vago
ayer: las seculares migraciones
del pájaro y del hombre, las legiones
que el hierro destrozó, Roma y Cartago.

Vuelve también la cotidiana historia:
mi voz, mi rostro, mi temor, mi suerte.
¡Ah, si aquel otro despertar, la muerte,
me deparara un tiempo sin memoria
de mi nombre y de todo lo que he sido!
¡Ah, si en esa mañana hubiera olvido!

Jorge Luis Jorge

Simplicidade



Abre-se a grade no jardim
com a docilidade da página
que uma devoção freqüente interroga
e lá dentro o olhar
não precisa se fixar nos objetos,
que já estão firmemente na memória.
Conheço os costumes e conheço as almas
e esse dialeto de alusões
que todo grupo humano vai urdindo.
Não preciso falar
nem fingir privilégios;
os que me rodeiam me conhecem bem,
a as minhas mágoas e fragilidades.
Isto, sim, é chegar ao ponto mais alto,
o que talvez traga o Céu:
não as admirações ou as vitórias,
mas simplesmente sermos recebidos
como parte de uma Realidade inegável
como as pedras e as árvores.

Jorge Luis Borges
(Argentina)

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Isento



Mira-te pelo calendário das flores
Que são só viço e esquecimento.
Desprende-te dos ofícios do dia,
Apaga os números, os anos e anos,
Releva a data de teu nascimento.
E assim, por tão leve sendo,
Por tão de ti isento,
De uma quase resistência de pluma,
Abraça o momento,
Toma por bagagem os sonhos
E apanha carona no vento.


Fernando Campanella
(Minas Gerais - Brasil)
(Poema em homenagem pelo aniversário
de minha amiga Maria Madalena-18-04-2008)


Nobody knows this little Rose -
It might a pilgrim be
Did I not take it from the ways
And lift it up to thee.
Only a Bee will miss it -
Only a Butterfly,
Hastening from far journey -
On its breast to lie -
Only a Bird will wonder -
Only a Breeze will sigh -
Ah Little Rose - how easy
For such as thee to die!


Emily Dickinson

***

Ninguém sabe desta pequena rosa -
Ela pode uma peregrina ser
Não a colhi dos jardins
e a ofertei a ti?
Uma abelha apenas
por sua falta dará -
apenas uma borboleta
apressada de jornadas distantes
para em seu seio pousar-
apenas um pássaro a questionará,
apenas uma brisa por ela
irá suspirar -
Ah, pequena rosa -
quão fácil para alguém de tua espécie
simplesmente passar!


(Tradução do poema de Emily Dickinson
por Fernando Campanella)

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Que Há para Lá do Sonhar?



Céu baixo, grosso, cinzento
e uma luz vaga pelo ar
chama-me ao gosto de estar
reduzido ao fermento
do que em mim a levedar
é este estranho tormento
de me estar tudo a contento,
em todo o meu pensamento
ser pensar a dormitar.

Mas que há para lá do sonhar?


Vergílio Ferreira,
in 'Conta-Corrente 1'
(Portugal 1913-1996)

ES MELANCOLÍA



Te llamarás silencio en adelante.
Y el sitio que ocupabas en el aire
se llamará melancolía.

Escribiré en el vino rojo un nombre:
el tu nombre que estuvo junto a mi alma
sonriendo entre violetas.

Ahora miro largamente, absorto,
esta mano que anduvo por tu rostro,
que soñó junto a ti.

Esta mano lejana, de otro mundo
que conoció una rosa y otra rosa,
y el tibio, el lento nácar.

Un día iré a buscarme, iré a buscar
mi fantasma sediento entre los pinos
y la palabra amor.

Te llamarás silencio en adelante.
Lo escribo con la mano que aquel día
iba contigo entre los pinos.


Eduardo Carranza
(Colombia -1913-1985)

Melancolia



À volta todas as rosas eram vermelhas
A hera era preta.

Querida, assim com um só mover de cabeça teu,
Todos os meus velhos desesperos despertarão!

Demasiado azul, demasiado terno era o céu,
O ar demasiado suave, demasiado verde o mar.

Eu receio sempre, e eu não sei porquê,
Um lamentável afastamento de ti.
Eu estou cansado dos ramos de azevinho
E enfadado do alegre espinheiro

De todos os infindáveis caminhos do país;
De tudo, meu Deus! exceto de ti.


Ernest Dowson
(Inglaterra
2 August 1867 – 23 February 1900)

Chanson sans Paroles



In the deep violet air,
Not a leaf is stirred;
There is no sound heard,
But afar, the rare
Trilled voice of a bird.

Is the wood’s dim heart,
And the fragrant pine,
Incense, and a shrine
Of her coming? Apart,
I wait for a sign.

What the sudden hush said,
She will hear, and forsake,
Swift, for my sake,
Her green, grassy bed:
She will hear and awake!

She will hearken and glide,
From her place of deep rest,
Dove-eyed, with the breast
Of a dove, to my side:
The pines bow their crest.

I wait for a sign:
The leaves to be waved,
The tall tree-tops laved
In a flood of sunshine,
This world to be saved!

In the deep violet air,
Not a leaf is stirred;
There is no sound heard,
But afar, the rare
Trilled voice of a bird.

Ernest Dowson
(England)

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Se tivermos de nos separar



Se tivermos de nos separar
Então que seja desta maneira.
Sem coração para coração,
Nem com a vã angústia de um beijo;
Mas toca na minha mão e diz:
"Até amanhã ou qualquer outro dia,
Se tivermos de nos separar".

Palavras são tão fracas
Quando o amor foi tão forte;
Deixa o silêncio falar:
"A vida é muito pequena e o amor é longo;
Um tempo para semear e colher,
E depois da colheita um longo tempo para dormir,
Mas as palavras são fracas"

Ernest Dowson
(Inglaterra)

Gray Nights



A while we wandered (thus it is I dream!)
Through a long, sandy track of No Man’s Land,
Where only poppies grew among the sand,
The which we, plucking, cast with scant esteem,
And ever sadlier, into the sad stream,
Which followed us, as we went, hand in hand,
Under the estrangèd stars, a road unplanned,
Seeing all things in the shadow of a dream.

And ever sadlier, as the stars expired,
We found the poppies rarer, till thine eyes
Grown all my light, to light me were too tired,
And at their darkening, that no surmise
Might haunt me of the lost days we desired,
After them all I flung those memories!


Ernest Dowson
(England)

(Excerto)



Fico pensando se viver não será sinônimo de perguntar.
A gente se debate, busca, segura o fato com duas mãos sedentas e pensa: Achei! Achei!
Mas ele escorrega se espatifa em mil pedaços, como um vaso de barro coberto apenas por uma leve camada de louça.
A gente fica só, outra vez, e tem que começar do nada, correndo loucamente em busca dos outros vasos que vê. Cada um que surge parece o último, mas todos são de barro, quebram-se antes que possamos reformular as perguntas.
E começamos de novo, mais uma vez, dia após dia, ano após ano.
Um dia a gente chega à frente do espelho e descobre: Envelheci!
Então a busca termina. As perguntas colam no fundo da garganta, e vem a morte.
Que talvez seja a grande resposta.
A única.


Caio Fernando de Abreu
excerto de 'Limite Branco'
(Brasil)

domingo, 14 de junho de 2009

Dedication



I have great faith in all things not yet spoken.
I want my deepest pious feelings freed.
What no one yet has dared to risk and warrant
will be for me a challenge I must meet.

If this presumptious seems, God, may I be forgiven.
For what I want to say to you is this:
my efforts shall be like a driving force,
quite without anger, without timidness
as little children show their love for you.

With these outflowing, river-like, with deltas
that spread like arms to reach the open sea,
with the recurrent tides that never cease
will I acknowledge you, will I proclaim you
as no one ever has before.

And if this should be arrogance, so let me
arrogant be to justify my prayer
that stands so serious and so alone
before your forehead, circled by the clouds.



Rainer Maria Rilke
(Germany)
Translated by Albert Ernest Flemming