terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Ano Novo Cristão



A todos amigos e visitantes do blogger,
desejo um ANO NOVO pleno de alegrias,
muita Paz, Saúde e Realizações.
Feliz, Ano Novo Cristão, de 2.010!

Maria Madalena

domingo, 27 de dezembro de 2009

"Horas Vivas"



Noite; abrem-se as flores.
Que esplendores!
Cíntia sonha amores
Pelo céu.
Tênues as neblinas
Às campinas
Descem das colinas
Como um véu.
Mãos em mãos travadas
Animadas,
Vão aquelas fadas
Pelo ar
Soltos os cabelos,
Em novelos
Puros, louros, belos
A voar.
"Homem, nos teus dias
Que agonias
Sonhos, utopias,
Ambições;
Vivas e fagueiras,
As primeiras
Como as derradeiras
Ilusões!
Quantas, quantas vidas
Vão perdidas,
Pombas malferidas
Pelo mal!
Anos após anos,
Tão insanos
Vêm os desenganos
Afinal.
Dorme: se os pesares
Repousares.
Vês? —por estes ares
Vamos rir;
Mortas, não; festivas,
E lascivas,
Somos—horas vivas
De dormir. —


Machado de Assis
in Crisálidas

Prece



dá-me a lucidez das
correntezas para que eu descubra
entre as tristezas que se
avolumam algum
sorriso mesmo
que não seja para mim

dá-me a serenidade de uma
estrela para que eu imagine
entre as lágrimas que não
me deixam qualquer
paz ainda
que breve

dá-me a claridade das
luas cheias para que eu invente
entre as angústias que se esparramam um
horizonte mesmo
que se transmude em ilusão

dá-me a esperança das
árvores para que eu teça
entre as ausências que se
imensificam uma sanidade ainda
que estofada de
delírios


Adair Carvalhais Júnior
(Minas Gerais)

Notte - sogno di sparse



Notte - sogno di sparse
finestre illuminate.
Sentire la chiara voce
dal mare. Da un amato
libro veder parole
sparire... - Oh stelle in corsa

l'amore della vita!


Sandro Penna
(Italy- 1906-1977)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

VELHA INTERROGAÇÃO



Passa a vida? Continua…
Porque o tempo é que flutua,
como um rio de veludo,
sobre todos, sobre tudo...

À sua imagem sonhamos:
de onde vimos? aonde vamos?

E o destino indiferente
vai impedindo a torrente...

Passa a vida? Continua...
Com o tempo quem passa é a gente.
Mas, vida, se nós passamos,

de onde vimos? aonde vamos?


Da Costa e Silva
in: Poesia Completa
(Piauí -1885-1950)

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

AMARGO



Há um mar, o dos velames,
das praias ardendo em ouro.

Há outro mar, o mar noturno,
o das marés com a lua
a boiar no fundo
o mênstruo da madrugada.

E afinal o outro, o do amor amargo,
meu mar particular, o mais profundo,
com recifes sangrando, um mar sedento
e apunhalado.


Max Martins
De Anti-retrato (1960)
(Pará- 1926-2009)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009



Ao ver da ave austera e escura a soteníssima figura,
desperta em mim um leve riso, a distrair-me de meus
ais.
“Sem crista embora, ó Corvo antigo e singular” - então lhe
digo -
"não tens pavor; fala comigo, alma da noite, espectro
torvo, qual é o teu nome, ó nobre Corvo, o nome teu
[o inferno torvo!"

E o Corvo disse: "Nunca mais".

Maravilhou-me que falasse uma ave rude dessa classe,
misteriosa esfinge negra, a retorquir-me em termos tais,
Pois nunca soube de vivente algum, outrora ou no
presente,
que igual surpresa experimente: a de encontrar, em sua
porta,
uma ave (ou fera, pouco importa) empoleirada, em sua porta,
e que se chama "Nunca mais".



Edgar Allan Poe
Excerto do ensaio 'A filosofia da Composição'
Poemas e Ensaios. (Trad. Oscar Mendes e Milton Amado).
São Paulo: Globo, 1999. 3. ed. revista.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

'MANHÃ NO MEU JARDIM'



Ha festas nas campo, ânsias que crescem
Sob a cortina verde da ramagem,
Enquanto as samambaias estremecem
Aos beijos brandos da sublime aragem!

Uns retalhos de sol sobre a folhagem
Tremeluzindo, das alturas, descem
E no fundo azulado da paisagem,
De várias cores, um tapete tecem . . .

Ha mensagens de olências nos canteiros !
Chovem pétalas brancas, perfumadas,
Da fronde angelical dos jasmineiros . . .

E a manhã, como uma águia de marfim ,
Desce dos chapadões das madrugadas
E abre as asas de luz no meu jardim!


Miguel Jansen Filho
(Paraíba 1925/1994)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

The Snow Man



One must have a mind of winter
To regard the frost and the boughs
Of the pine-trees crusted with snow;

And have been cold a long time
To behold the junipers shagged with ice,
The spruces rough in the distant glitter

Of the January sun; and not to think
Of any misery in the sound of the wind,
In the sound of a few leaves,

Which is the sound of the land
Full of the same wind
That is blowing in the same bare place

For the listener, who listens in the snow,
And, nothing himself, beholds
Nothing that is not there and the nothing that is.


Wallace Stevens
(1879-1955- EUA)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

SEGMENTOS



E o homem seguiu entre guizos falsos.
Trazia no rosto uma sofreguidão de charcos.


Era noite
e os fantasmas enlouquecidos não o deixavam seguir.


Assim
andarilho de madrugadas
homem de silêncios fartos
ele se enfatizou.


Riscou de seu rosto a mascara da vida.


Continuava só
e só, continuava em sua busca viscosa.


Já não era mais ele quem fremia
na porta dos bares vazios.


Era a nostalgia de seu espectro
que buscava carnavais de sorrisos.


Alvina Nunes Tzovenos
In: Palavras ao Tempo

SONETOS DA AUSÊNCIA



XXIV


A mão que disse adeus era um veleiro
no mar da solidão. O amor perdido
era um luar humilde e companheiro
do coração mais que do céu nascido.


Dantes, a paz não fora o meu roteiro.
Sonhava, apenas. Nem jamais, ferido
pelo céu, pelo mar, vivera inteiro
o meu reino de luz, já proibido.


Vi então que a alegria era um soluço
e o coração o mar e o céu cansados,
o coração há tanto adormecido.


E hoje no adeus, lembrando, me debruço,
no adeus que é o grito dos desesperados
e o olhar febril de algum enlouquecido.


Alphonsus de Guimaraens Filho
In: Antologia Poética

sábado, 28 de novembro de 2009

Viajam as palavras



Passageiros, formo como que um diagrama
entre o céu tremido e o jornal que a trepidação do trem sacode
em minhas mãos.

A paisagem me vem oferecer seus buquês roxos e cor de ouro
mas foge, arrependida.

Vistos, de longe, de passagem,
todos os rostos são amigos, são iguais.

Só que depois, em minha memória, que estará rolando ainda esta paisagem
impressa em mim, à minha saudade
como um quadro à parede.

O possível desastre
faz cantar, como uma carretilha ao meu ouvido,
o pássaro do adeus.

O trem de ferro desloca o sentido das coisas.

Viajam as palavras.



Cassiano Ricardo
Em "O sangue das horas"

ESTA É A GRAÇA



Esta é a graça dos pássaros:
cantam enquanto esperam.
E nem ao menos sabem o que esperam.


Será porventura a morte, o amor?
Talvez a noite com nova estrela,
a pátina de ouro do tempo,
alguma cousa de precário
assim como para o soldado a paz?


Com grave mistério de reposteiros
um augúrio dimana, incessante,
do marulho das fontes sob pedras,
do bulício das samambaias no horto.


No ladrido dos cães à vista da lua,
acima do desejo e da fome,
pervaga um longo desespero
em busca de tangente inefável.


O mesmo silencio da madrugada
prenuncia, sem duvida, um evento
que já não é o grito da aurora
ao macular de sangue a túnica.


E minha voz perdura neste concerto
com a vibração e o temor de um violino
pronto a estalar em holocausto
as próprias cordas demasiado tensas.



Henriqueta Lisboa
In:'A Flor da Morte' (1945-1949)

terça-feira, 24 de novembro de 2009

BUENOS AIRES



Das longas avenidas que inventamos
sem nunca percorrer
senão com a boca suja de palavras
alguma ficará
para cenário
quando
numa noite
- mas não nesta -
um de nós deixar o outro
para sempre.

Ana Martins Marques
(Minas Gerais-BR)

domingo, 15 de novembro de 2009

AO SONO



Rebanho de ovelhas que lentamente passa
Uma de cada vez, o som da chuva e o farfalhar
Das folhas ao vento, abelhas, cascatas e o mar,
Prados, lenços d’água e o céu que esvoaça;
Sobre eles divaguei, um por um e ainda estou
Desperto! Logo os pássaros cantando
Nas árvores do pomar estarei escutando,
E o primeiro trinado do cuco que lá pousou.
Ontem e nas duas outras noites foi assim
Sono! Com todos os ardis não te pude receber:
Poupes-me nesta noite, vem a mim
Sem ti, que seria do encanto do alvorecer?
Vem, barreira entre o dia e a noite, enfim,
Pai do fresco pensar e do saudável viver!


William Wordsworth
in O olho Imóvel Pela Força da Harmonia

sábado, 14 de novembro de 2009

Eu sou



Eu sou, mas o que eu sou quem cuida ou sabe?
Em meus amigos um lembrar perdido.
Gastar as minhas mágoas a mim cabe -
erguem-se e passam num revoar esquecido,
sombras de amor que a própria ânsia esmaga -
mas sou, e vivo - como névoa vaga


lançada ao nada de uma vácua lida,
ao vivo mar dos sonhos acordados,
onde não há qualquer senso da vida,
mas o naufrágio só dos bens passados.
Até os mais caros, meu amor mais fundo,
estranhos me são, ou mais que todo o mundo.


Anseio terras que ninguém pisou,
onde mulher nunca sorriu nem chora,
e onde me unir ao Deus que me criou,
para dormir como na infância outrora -
sem que nenhum cuidado seja meu:
erva por baixo, e acima o curvo céu.


John Clare
(in «Poesia de 26 Séculos»
Antologia, tradução, prefáio
e notas de Jorge de Sena,
Edições ASA, 2001)


I am

I am! yet what I am who cares, or knows?
My friends forsake me like a memory lost.
I am the self-consumer of my woes;
They rise and vanish, an oblivious host,
Shadows of life, whose very soul is lost.
And yet I am—I live—though I am toss’d

Into the nothingness of scorn and noise,
Into the living sea of waking dream,
Where there is neither sense of life, nor joys,
But the huge shipwreck of my own esteem
And all that’s dear. Even those I loved the best
Are strange—nay, they are stranger than the rest.

I long for scenes where man has never trod—
For scenes where woman never smiled or wept—
There to abide with my Creator, God,
And sleep as I in childhood sweetly slept,
Full of high thoughts, unborn. So let me lie,—
The grass below; above, the vaulted sky.


John Clare

Early Nightingale



When first we hear the shy-come nightingales,
They seem to mutter o’er their songs in fear,
And, climb we e’er so soft the spinney rails,
All stops as if no bird was anywhere.
The kindled bushes with the young leaves thin
Let curious eyes to search a long way in,
Until impatience cannot see or hear
The hidden music; gets but little way
Upon the path - when up the songs begin,
Full loud a moment and then low again.
But when a day or two confirms her stay
Boldly she sings and loud for half the day;
And soon the village brings the woodman’s tale
Of having heard the new-come nightingale.


John Clare
(1793 - 1864 / Northamptonshire / England)

'Is there another world for this frail dust'



Is there another world for this frail dust
To warm with life and be itself again?
Something about me daily speaks there must,
And why should instinct nourish hopes in vain?
'Tis nature's prophesy that such will be,
And everything seems struggling to explain
The close sealed volume of its mystery.
Time wandering onward keeps its usual pace
As seeming anxious of eternity,
To meet that calm and find a resting place.
E'en the small violet feels a future power
And waits each year renewing blooms to bring,
And surely man is no inferior flower
To die unworthy of a second spring?


John Clare
Poems selected from Poems by John Clare, ed. Arthur Symons (London: Henry Frowe, 1908) and from The Rural Muse; Poems by John Clare, (London: Whittaker & co., 1835).

What is Life?



And what is Life? An hour-glass on the run,
A mist retreating from the morning sun,
A busy, bustling, still-repeated dream.
Its length? A minute's pause, a moment's thought.
And Happiness? A bubble on the stream,
That in the act of seizing shrinks to nought.

And what is Hope? The puffing gale of morn,
That of its charms divests the dewy lawn,
And robs each flow'ret of its gem -and dies;
A cobweb, hiding disappointment's thorn,
Which stings more keenly through the thin disguise.

And what is Death? Is still the cause unfound?
That dark mysterious name of horrid sound?
A long and lingering sleep the weary crave.
And Peace? Where can its happiness abound?
Nowhere at all, save heaven and the grave.

Then what is Life? When stripped of its disguise,
A thing to be desired it cannot be;
Since everything that meets our foolish eyes
Gives proof sufficient of its vanity.
'Tis but a trial all must undergo,
To teach unthankful mortals how to prize
That happiness vain man's denied to know,
Until he's called to claim it in the skies.


John Clare
(1793 - 1864 / Northamptonshire / England)

domingo, 8 de novembro de 2009

Serenidade



Há muito tempo, Vida, prometeste
trazer ao meu caminho uma doida alegria
feita de espírito e de chama,
uma alegria transbordante, assim como esse
alvo clarão que se irradia
da orla festiva das enseadas,
e entre reflexos de ouro se derrama
do cântaro das madrugadas.

Eu, que nasci para um destino manso
de coisas suaves, silenciosas, imprecisas,
e que fico tão bem neste obscuro remanso
onde apenas se infiltra um perfume de brisas,
imagino a tremer: que seria de mim
se essa alegria
esplêndida, algum dia,
houvesse surpreendido a minha inexperiência!…

A vida me iludiu, mas foi sábia na essência.

Minha alegria deveria ser assim:
Pequenina doçura delicada,
gota de orvalho em pétala de flor,
sempre serena lâmpada velada
que me diluísse as brumas do interior.

Sempre serena lâmpada velada,
símbolo do meu sonho predileto…
Se amanhã tu penderes do meu teto
aureolando minha última ilusão,
- para que eu viva em teu amor e em tua paz,
deixa um rastro de sombra pelo chão…
É nesta sombra que hei de me esconder
quando sentir a falta que me faz
a outra alegria que não pude ter!


*Henriqueta Lisboa
in: Velário (1936)
*(* Lambari, MG. – 15 de Julho de 1904.
+ Belo Horizonte, MG. – 9 de Outubro de 1985.)

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

AS LINHAS DA MÃO



3


Mas fui feliz.
Puseram a mão nesta mão.
Não me apagaram o choro da orfandade,
mas fui feliz.


Nada pedi
- o som da bica ouço,
o mesmo que irá comigo à morte
e esteve sempre no meu dia antigo,
e sabe o que eu queria –
mas fui feliz.


Fui pranto de outros olhos.
Fui feliz.


Senti o afago
entre o peito e a pele da camisa.
Fui feliz.



Alberto da Costa e Silva
In: As Linhas da Mão (1978)

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Wohl geh' ich täglich ...



Wohl geh' ich täglich andere Pfade, bald
Ins grüne Laub im Walde, zur Quelle bald,
Zum Felsen, wo die Rosen blühen,
Blicke vom Hügel ins Land, doch nirgend,

Du Holde, nirgend find ich im Lichte dich
Und in die Lüfte schwinden die Worte mir,
Die frommen, die bei dir ich ehmals
...

Ja, ferne bist du, seliges Angesicht!
Und deines Lebens Wohllaut verhallt, von mir
Nicht mehr belauscht, und ach! wo seid ihr
Zaubergesänge, die einst das Herz mir

Besänftiget mit Ruhe der Himmlischen?
Wie lang ists! o wie lange! der Jüngling ist
Gealtert, selbst die Erde, die mir
Damals gelächelt, ist anders worden.

Leb immer wohl! es scheidet und kehrt zu dir
Die Seele jeden Tag, und es weint um dich
Das Auge, daß es helle wieder
Dort wo du säumest, hinüberblicke.


Friedrich Hölderlin
(Lauffen am Neckar, 20 de março de 1770 — Tübingen, 7 de junho de 1843)

‘Another day’

Another day. I follow another path,
Enter the leafing woodland, visit the spring
Or the rocks where the roses bloom
Or search from a look-out, but nowhere

Love are you to be seen in the light of day
And down the wind go the words of our once so
Beneficent conversation...

Your beloved face has gone beyond my sight,
The music of your life is dying away
Beyond my hearing and all the songs
That worked a miracle of peace once on

My heart, where are they now? It was long ago,
So long and the youth I was has aged nor is
Even the earth that smiled at me then
The same. Farewell. Live with that word always.

For the soul goes from me to return to you
Day after day and my eyes shed tears that they
Cannot look over to where you are
And see you clearly ever again.


Friedrich Hölderlin
In English translation by David Constantine

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

SERENATA



As glandes do pinheiro e a folhagem das bétulas
Cobriram teu telhado, onde a erva murchou.
Dorme em teu leito de palha, dorme feliz e tranqüila
à sombra das nuvens que a noite semeou.

Quando o inverno vier bater à tua porta,
vestido de branco, tal qual um pretendente,
sonha então um sonho bom que te acalente
ao abrigo de tuas paredes de madeira.

Sonha com o vento do verão, a cantar e a brincar,
embora gema lá fora a tempestade.
Sonha que sob a verde abóbada das bétulas
Repousas adormecida nos meus braços.


Erik Axel Karlfeldt
in Poesias
Tradução Ivo Barroso

Erik Axel Karlfeldt
The Nobel Prize in Literature 1931.

(1864-1931)

OUTRORA E HOJE



Meu dia outrora principiava alegre;
No entanto à noite eu chorava. Hoje,
mais velho,
Nascem-me em dúvida os dias, mas
Findam sagrada, serenamente.


Friedrich Hölderlin
Tradução de Manuel Bandeira

O CURSO DA VIDA



O meu espírito soltava-se nos céus, mas o
amor
Em breve o fez descer: a dor curva-o mais
para a frente ainda.
Percorro, assim, a órbita da vida
Para voltar à origem de onde vim.

Friedrich Holderlin
Trd, Manuel Bandeira

domingo, 25 de outubro de 2009

7



Em mim a morte, em ti minha vida;
tu distingues e concedes e divides o tempo;
o quanto quiseres, breve e longo é meu viver.
Feliz estou com sua cortesia.
Feliz da alma que não vê correr o tempo,
por ti passou a contemplar a Deus.

Michelangelo
in Poemas
Tradução de Nilson Moulin

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

'A Song Of Eternity In Time'



Once, at night, in the manor wood
My Love and I long silent stood,
Amazed that any heavens could
Decree to part us, bitterly repining.
My Love, in aimless love and grief,
Reached forth and drew aside a leaf
That just above us played the thief
And stole our starlight that for us was shining.


A star that had remarked her pain
Shone straightway down that leafy lane,
And wrought his image, mirror-plain,
Within a tear that on her lash hung gleaming.
"Thus Time," I cried, "is but a tear
Some one hath wept 'twixt hope and fear,
Yet in his little lucent sphere
Our star of stars, Eternity, is beaming."


Sidney Lanier
(1842-1881 / Macon / Georgia)

DA REALIDADE



Que renda fez a tarde no jardim,
Que há cedros que parecem de enxoval?
Como é difícil ver o natural
Quando a hora não quer!
Ah! Não digas que não ao que os teus olhos
Colham nos dias de irrealidade.
Tudo então é verdade,
Toda a rama parece
Um tecido que tece
A eternidade.


Miguel Torga
In: Antologia Poética

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

RAMO EM FLOR



Para cá e para lá
sempre se inclina ao vento o ramo em flor,
para cima e para baixo
sempre meu coração vai feito uma criança
entre claros e nebulosos dias,
entre ambições e renúncias.
Até que as flores se espalham
e o ramo se enche de frutos,
até que o coração farto de infância
alcança a paz
e confessa: de muito agrado e não perdida
foi a inquieta jogada da vida.



Hermann Hesse
In: Andares

DE PASSAGEM



Não fiques triste: já vem vindo a noite
quando veremos sobre a terra esbranquiçada
a Lua fria, como que a rir-se por dentro,
e então descansaremos de mãos dadas.


Não fiques triste: já vem vindo o tempo
quando teremos sossego. Nossas cruzinhas estão
erguidas juntas na margem clara da vida,
chove e neva,
e os ventos vem e vão.



Hermann Hesse
In: Andares

Frühlingsglaube



Die linden Lüfte sind erwacht,
Sie säuseln und weben Tag und Nacht,
Sie schaffen an allen Enden.
O frischer Duft, o neuer Klang!
Nun, armes Herze, sei nicht bang!
Nun muß sich alles, alles wenden.

Die Welt wird schöner mit jedem Tag,
Man weiß nicht, was noch werden mag,
Das Blühen will nicht enden.
Es blüht das fernste, tiefste Tal:
Nun, armes Herz, vergiß der Qual!
Nun muß sich alles, alles wenden.

Johann Ludwig Uhland
(Germany)

Faith in Spring

The gentle winds are awakened,
They murmur and waft day and night,
They create in every corner.
Oh fresh scent, oh new sound!
Now, poor dear, fear not!
Now everything, everything must change.

The world becomes more beautiful with each day,
One does not know what may yet happen,
The blooming doesn't want to end.
The farthest, deepest valley blooms:
Now, poor dear, forget the pain!
Now everything, everything must change.


Johann Ludwig Uhland
Translation by Hyde Flippo


Primavera

Despertam docemente as brisas.
Sopram serenas, noite e dia,
por toda a parte a sussurrar.
Aroma tenro, nova melodia.
Agora, pobre coração, reanima-te:
Agora tudo, tudo mudará.

Faz-se o mundo mais belo cada dia.
Se o momento presente é tão feliz
o amanhã que surpresas não trará!
Floresce ao longe o vale mais sombrio.
Agora, pobre coração, esquece a mágoa
Agora, tudo, tudo mudará.

Johann Ludwig Uhland
Trad.: Henriqueta Lisboa

Evening clouds


Clouds seh I abendwaerts
Completely dipped into purest glow,
Clouds in light zerhaucht completely,
Had so stifling darkened.
Yes! my suspecting heart says to me:
Once still it becomes whether also late,
When the sun comes down,
Me the soul shade clarifies.

Johann Ludwig Uhland
(Germany-1787-1862)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Canção breve



Tudo me prende à terra onde me dei:
o rio subitamente adolescente,
a luz tropeçando nas esquinas,
as areias onde ardi impaciente.

Tudo me prende do mesmo triste amor
que há em saber que a vida pouco dura,
e nela ponho a esperança e o calor
de uns dedos com restos de ternura.

Dizem que há outros céus e outras luas
e outros olhos densos de alegria,
mas eu sou destas casas, destas ruas,
deste amor a escorrer melancolia.


Eugénio de Andrade

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Em uma Tarde de Outono



Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono... Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto...

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos...
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão nascente do arrebol...


Olavo Bilac,
in "Poesias"

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

SINTO-ME DISPERSADO. . .



Sinto-me dispersado
em areia, alga, vento.
Que ficou do passado,
se o que resta é o momento?


Uma caricia vaga,
indecisa, procura
o que a memória apaga;
e de tudo perdura


leve aragem, não mais,
docemente soprando
junto às margens de um cais
que está sempre esperando.


Alphonsus de Guimaraens Filho
In: Antologia Poética

VELEJAR. . .



Velejar para onde?
Para que mundo, acaso,
se esse mundo se esconde
ou nos chega com atraso?


Velejar para que,
se essa mesma distancia
que o coração antevê
com tão profunda ânsia


a nada mais conduz
que ao grande desalento
de ver que tudo é luz
dispersa em água e vento?



Alphonsus de Guimaraens Filho
In: Antologia Poética

CANÇÃO



O leve vento me leve
Para as praias de além-mar.
O leve vento me leve...

Quero um sopro de inocência
Para em luzes me banhar.
Onde estaria a saudade
Que afaga os caminhos mortos
E treme na luz das velas
Nos velórios de além mar?
Quero fugir da loucura
Que prende os corpos no mar.

Em tudo que me esperava
Jamais pureza encontrei.
Fui gemido, tédio, noite,
Fui vagabundo e fui rei.
E me buscando no mundo

No mundo não me encontrei.
Que o leve vento me leve
Para as praias de além-mar.
Que o leve vento me leve,
Me deite em praias macias,
Me dê as bocas macias
Das namoradas do mar.
Quero um sopro de inocência
Para em luzes me banhar.


Alphonsus de Guimaraens Filho
In Nostalgia dos Anjos

sábado, 10 de outubro de 2009

ENTRADA DE PRIMAVERA



O vento quente zune toda noite,
pesadamente rufla a sua asa molhada.
Aves pernaltas titubeiam no ar.
Nada mais dorme:
toda a terra está acordada,
a primavera chama.


Fica quieto, coração, fica quieto!
Mesmo que densa e íntima no sangue
agite-se a paixão
e caminhos antigos te seduzam:
de volta à juventude jamais te levarão.



Hermann Hesse
In: Andares
Tradução: Geir Campos

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

ANOITECER



Musgo negro.
Cheiro de chão em cálidos grânulos.
Grelos de prata finos e frágeis,
E o cântico de brancas campânulas.

Mudos se apagam os fogos murchos.
Um sopro só da morna maré.
Florindo, os mares rubros derretem;
Sugam sangue os sóis escuros.


Max Dauthendey
(1867-1918)
Tradução:André Vallias

ABEND

Schwarze Moose.
Erdgeruch in lauen Flocken.
Schmale dünne Silberblüten
Und Gesang von bleichen Glocken.

Welke Feuer löschen leise.
Nur ein Atmen warmer Flut.
Blühend schmelzen rote Meere,
Dunkle Sonnen saugen Blut.


Max Dauthendey

You are more than spring



Sweet lilac flowers appear on the tree but once a year;
Your breasts bloom for me every day; you are more than spring.

My desires shone brightly like chestnut shoots;
You brought them out into the sun. We sit under a roof of foliage,
Smiling at each other in the luscious shade.

Longing has scarred me like a tree struck by lightning;
Now your bees are with me, and my eyes overflow with your honey.


Max Dauthendey
Translated from the German by Johannes Beilharz
(Alemanha -1867-1918)

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

SE PERGUNTAREM POR MIM



digam
-que as raízes de meus ventos dispersaram tantas quimeras
mas que os vendavais de meus dias não perderam ainda suas cores
-que o sol, o mar e as areias da praia fluem
em mim como os acordes de Debussy num fim de tarde
-que todos os azuis e os verdes, às vezes, me habitam
-que, às vezes, sou uma pobre noite sem estrelas puras
-que meus sonhos de tão vagos não encontraram
janelas e nem portas
-que minhas semeaduras se deixam queimar magras,
bem antes que o sol se ponha
-que na musica de tantos dias e noites encontrei
violinos desafinados
-mas que
na chuva, de tão cinza ao cair
descobri nela
toda uma gama de coloração
de vida
rasgando estradas novas em esperança.


Se perguntarem por mim. . .



Alvina Nunes Tzovenos
In: Palavras ao Tempo

terça-feira, 6 de outubro de 2009

RAJADA



há palavras
leves
como sementes de álamo

erguem-se
levadas pelo vento
e voltam a cair

difícil agarrá-las
porque se afastam muito
como sementes de álamo

há palavras
que mais tarde talvez
removerão a terra

que espalharão sombra
uma sombra delgada
ou talvez não


Hans Magnus Enzensberger
(Alemanha- 1929)
Tradução de Eugénio de Andrade

terça-feira, 29 de setembro de 2009

*****


*(Mariposa esginge colibri-Hummingbird Hawk Moth)

Devolve-me o livro da alma
que há muito me tomaste -
esfinge minha -
pois tu, somente tu, o escreves:
concedes-me a palavra por escudo
enquanto me devoras na entrelinha.

Fernando Campanella


*The Hummingbird Hawk-moth (Macroglossum stellatarum) is a species of Sphingidae, hawk moth with a long proboscis, which regularly hovers, making an audible humming noise. These two features make it look remarkably like a hummingbird when it feeds on flowers; it is theorised that this is a result of convergent evolution. It flies during the day, especially in bright sunshine, but also at dusk, dawn, and even in the rain, which is unusual for even diurnal hawkmoths. Its visual abilities have been much studied, and it has been shown to have a relatively good ability to learn colours.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Passeio à noite



Bem tarde passeio pela empoeirada rua,
A sombra dos muros já se alongam,
Por entre videiras vejo a lua
caindo sobre o riacho e o caminho.


Canções, outrora entoadas,
Baixinho tento afinar,
Inúmeras caminhadas
Sombras a me encruzilhar.


Vento e neve, calor do sol
Tantos anos me recordam,
Noite de verão, raio azul
Na viagem desventura e tormenta.


Bronzeado e possuído
Pela imensidão desse mundo
Sinto-me ainda atraído
Até meu caminho cair no escuro.



Hermann Hesse
In: Caminhada

sábado, 26 de setembro de 2009

To Nature



It may indeed be phantasy, when I
Essay to draw from all created things
Deep, heartfelt, inward joy that closely clings ;
And trace in leaves and flowers that round me lie
Lessons of love and earnest piety.
So let it be ; and if the wide world rings
In mock of this belief, it brings
Nor fear, nor grief, nor vain perplexity.
So will I build my altar in the fields,
And the blue sky my fretted dome shall be,
And the sweet fragrance that the wild flower yields
Shall be the incense I will yield to Thee,
Thee only God ! and thou shalt not despise
Even me, the priest of this poor sacrifice.


Samuel Taylor Coleridge

Coleridge X Campanella



He looked at his own soul with a telescope.
What seemed all irregular, he saw and shewed to be beautiful constellations:
and he added to the consciousness hidden worlds within worlds.

- Samuel Taylor Coleridge-
(England 1772-1834)

Ele observou sua própria própria alma com um telescópio. O que parecia total irregularidade, ele enxergou e mostrou como lindas constelações: e à consciência ele integrou mundos ocultos dentro de outros mundos

Samuel Taylor Coleridge
Tradução de Fernando Campanella

.

April Love



We have walked in Love’s land a little way,
We have learnt his lesson a little while,
And shall we not part at the end of day,
With a sigh, a smile?

A little while in the shine of the sun,
We were twined together, joined lips, forgot
How the shadows fall when the day is done,
And when Love is not.

We have made no vows—there will none be broke,
Our love was free as the wind on the hill,
There was no word said we need wish unspoke,
We have wrought no ill.

So shall we not part at the end of day,
Who have loved and lingered a little while,
Join lips for the last time, go our way,
With a sigh, a smile?


Ernest Dowson
(London- 1867-1900)

SKETCH



The shadows of the ships
Rock on the crest
In the low blue lustre
Of the tardy and the soft inrolling tide.

A long brown bar at the dip of the sky
Puts an arm of sand in the span of salt.

The lucid and endless wrinkles
Draw in, lapse and withdraw.
Wavelets crumble and white spent bubbles
Wash on the floor of the beach.

Rocking on the crest
In the low blue lustre
Are the shadows of the ships.

Carl Sandburg

Uma canção



Por detrás dos meus olhos há águas
Tenho de as chorar todas.

Tenho sempre um desejo de me elevar voando,
E de partir com as aves migratórias.

Respirar cores com os ventos
Nos grandes ares.

Oh, como estou triste...
O rosto da lua bem o sabe.

Por isso, à minha volta há muita devoção aveludada
E madrugada a aproximar-se.

Quando as minhas asas se quebraram
Contra o teu coração de pedra,

Caíram os melros, como rosas de luto,
Dos altos arbustos azuis.

Todo o chilreio reprimido
Quer jubilar de novo

E eu tenho um desejo de me elevar voando,
E de partir com as aves migratórias.


Else Lasker-Schüler
(Alemanha-1869-1945)

WAS THERE A TIME



Was there a time when dancers with their fiddles
In children's circuses could stay their troubles?
There was a time they could cry over books,
But time has sent its maggot on their track.
Under the arc of the sky they are unsafe.
What's never known is safest in this life.
Under the skysigns they who have no arms
have cleanest hands, and, as the heartless ghost
Alone's unhurt, so the blind man sees best.


Dylan Thomas
(England- 1914-1953)