domingo, 27 de outubro de 2013

''REMINISCÊNCIAS''




Ah! Se eu pudesse voltar a ver.
Ah! Se eu pudesse alcançar ...
Além,
Muito além ...

Atrás de todos os horizontes,
Aquele arrebentar de roseirais ...
.......................................................

Mocidade!
Minhas viçosas pétalas,
Cantando ou chorando ...
Mas,
Minhas esperas ...
Amontoadas rosas precipitando perfumes ...
Ali,
Mais além,
Já muito além!

Ah! Aquele arrebentar de roseirais!
Ah! Se eu pudesse alcançá-los!
Ah! Se eu pudesse voltar para ver.


Alvina Nunes Tzovenos
de ‘Busca de Infinitos’

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

"finita infinidade"


há uma solidão no céu,
uma solidão no mar
e uma solidão na morte.
mas fazem todas companhia
comparadas a este local profundo,
esta polar intimidade,
uma alma que reconhece a si mesma:
finita infinidade.

Emily Dickinson

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

''EXCELSIOR''

 
A noite com suas sombras cai depressa;
A aldeia alpina aos poucos atravessa
Um jovem, que ergue, em meio à neve em sanha,
Uma bandeira, com a divisa estranha,
            Excelsior!


Sua cor é triste, mas sua vista alçada
Lembra uma espada desembainhada,
E a sua voz qual clarim de prata erguida
Lança os sons de uma língua nunca ouvida,
            Excelsior!

Casas felizes ele vê, brilhando
Ao fogo quente, familiar e brando;
Mais ao alto espectral geleira ao vento,
E de seus lábios se escapa um lamento,
            Excelsior!

“Não tentes a Passagem”, diz-lhe um velho,
“Já ergue a tormenta o seu manto vermelho,
Rugem as águas sem olhar que as sonde!”
E a alta voz de clarim só lhe responde,
            Excelsior!

“Oh! fica”, diz-lhe a virgem, “e em meu seio
Deita a fronte cansada sem receio!”
Nubla-lhe um pranto o olhar azul erguido,
Mas ele ainda responde, com um gemido,
            Excelsior!

“Teme os galhos na treva borrascosa!
Teme a uivante avalanche pavorosa!”
São o último boa-noite de quem fica,
E uma voz, longe no alto, lhes replica,
            Excelsior!

Nascido o sol, no divino resguardo
Dos santos ermitões de São Bernardo
Quando o salmo de sempre é repetido,
Uma voz grita no ar estremecido,
            Excelsior!

Na neve um viajor, semi-enterrado,
Pela matilha fiel é encontrado,
Tendo em sua mão de gelo branca e lisa
A bandeira, com a estranha divisa,
            Excelsior!

Lá, onde a noite fria e cinza pousa,
Sem vida, mas tão belo, ele repousa,
E do céu, sereníssima e clemente,
Desce uma voz, como estrela cadente,
            Excelsior!




 Henry Wadsworth Longfellow
Tradução de Alexei Bueno



                 '' Excelsior!''


“Try not the Pass!” the old man said;
“Dark lowers the tempest overhead,
The roaring torrent is deep and wide!”
And loud that clarion voice replied,
                        Excelsior!

“O stay,” the maiden said, “and rest
Thy weary head upon this breast!”
A tear stood in his bright blue eye,
But steel he answered with a sigh,
                        Excelsior!

“Beware the pine tree’s withered branch!
Beware the awful avalanche!”
This was the peasant’s last Good-night,
A voice replied, far up the height,
                        Excelsior!

At break of day, as heavenward
The pious monks of Saint Bernard
Uttered the oft-repeated prayer,
A voice cried through the startled air,
                        Excelsior! 

A traveler, by the faithful hound,
Half-buried in the snow was found,
Sill grasping in his hand of ice
The banner with the strange device,
                        Excelsior!

There in the twilight cold and gray,
Lifeless, but beautiful he lay,
And from the sky, serene and far,
A voice fell, like a falling star,
                        Excelsior! 

 Henry Wadsworth Longfellow

Born February 27, 1807
Portland, Maine, United States
Died March 24, 1882 (aged 75)
Cambridge, Massachusetts, United States

domingo, 11 de novembro de 2012

''AO COMPASSO DE UM TANGO''




 
desperto-me em emoções espargidas,
poeira de velhos mundos

a dançar estrelas revividas. . .


abraço soluços do amar
entre sorrisos de águas
enamorados de som-luar. . .


num derramar-se de alma
há beijos florindo horizontes
sob olhares perdidos em calma. . .


e vestindo pedaços de infância
num cortejo de juventude ilusão
- breves sonhos!
ao embarcar nas distancias. . .


Mas, ao compasso de um tango,
eu ainda,
sonho, revivo e amo!



Alviana Tzovenos
In: Buscas de Infinitos

terça-feira, 31 de julho de 2012

***


Todas as coisas do Universo tem sua linguagem. Só a poesia pode guardar em sua essência a voz colorida das flores e as cismas do dia que morre.

Paulo Bomfim
de 'O colecionador de minutos'.

terça-feira, 20 de março de 2012

NUVEM MANSA


Minúscula, branca,
leve, sem rumor,
bóia no azul uma nuvem:
volve teus olhos e sente
como em seu alvo frescor te conduz
feliz por entre sonhos azuis.


Hermann Hesse
In: Andares

AZUL – TARDE


Ó pura, maravilhosa visão
- quando entre púrpura e ouro,
grave e propício, vais baixando em paz,
resplandecente azul do céu da tarde!


Lembras um mar azul onde a fortuna
com a âncora se encerra
num bendito repouso. Cai do remo
a última gota de mágoa da terra.



Hermann Hesse
In: Andares

CHEIRO DE OUTONO


Mais uma vez é um verão que nos abandona,
agonizando num temporal atrasado:
tranquila a chuva rumoreja, enquanto um cheiro
amargo e tímido vem do bosque molhado.

Na relva pálida a liliácea se retesa
em meio a grande profusão de cogumelos;
tem-se a impressão de que se esconde e se retrai
o nosso vale, ontem ainda imenso e belo.

Retrai-se e cheira a timidez e a amargura
o mundo, com toda a claridade perdida:
prontos, olhamos o temporal atrasado,
pois acabou-se o sonho de verão da vida!

Hermann Hesse
In Andares
tela de Dmitry Spiros

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

POESIA, VERSÍCULOS


I

Tão real em sua idealidade,
não é de facto, nem de prosa.

II

Vem de longes, sem anúncio ou alarde -
de quando era a cor da pele a palavra.

III

Abro-lhe a janela, que se hospede
mas que arrume novamente o quarto.

IV

Bate-me com os pés seu ritmo,
faz-me dançar qual índio, imberbe.

V

Vive a me lembrar seus cânones,
intemporal, nem se importa
com que os ventos mudem
e que com eles girem as palavras.

VI

Fica o tempo que determina,
que lhe agrada.

VII

Quando parte, sem acordo de volta,
deixa-me síncopes, lapsos
que entrecortam madrugadas.

Fernando Campanella

(Fotografia de Fernando Campanella)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O HAVER


Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta esse constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Esse eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.

15/04/1962

Vinicius de Moraes
A poesia acima foi extraída do livro "Jardim Noturno - Poemas Inéditos", Companhia das Letras - São Paulo, 1993, pág. 17.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Three—With the Moon and His Shadow

With a jar of wine I sit by the flowering trees.
I drink alone, and where are my friends?
Ah, the moon above looks down on me;
I call and lift my cup to his brightness.
And see, there goes my shadow before me.
Ho! We're a party of three, I say,—
Though the poor moon can't drink,
And my shadow but dances around me,
We're all friends to-night,
The drinker, the moon and the shadow.
Let our revelry be meet for the spring time!

I sing, the wild moon wanders the sky.
I dance, my shadow goes tumbling about.
While we're awake, let us join in carousal;
Only sweet drunkenness shall ever part us.
Let us pledge a friendship no mortals know,
And often hail each other at evening
Far across the vast and vaporous space!

Li Po

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Tema sem variação


Sequer apago as passadas
deste meu vagar sozinho,
sozinho em tantas estradas:
triturador de caminhos,
move-me um remoinho
de frescas águas passadas.


Geir Campos
In Canto Claro, 1957

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Canto Noturno I


Mel e medo
Sou avesso
Orla e rumo
Meu destino.

Chuva e outono
Com a morte
Brilho e flor
Com a vida.

O que fiz
O que ardi
O que sei
O que sou:

Um incêndio
Que se apaga
Uma canção
Que se acaba.


Stefan George*
(Do livro “TAPETE DA VIDA E CANÇÕES DE SONHO E MORTE COM UM PRELÚDIO” (1899)



Stefan Anton George

(Bingen, Hesse, 12 de julho, 1868 – Locarno, 4 de dezembro, 1933) foi um tradutor e poeta Alemão.

Viveu em Paris, encontrando-se entre os escritores e artistas que frequentavam os serões das terças-feiras do poeta Stéphane Mallarmé. Começou a publicar poesia na década de 1890, quando ainda não tinha 30 anos de idade. George fundou e editou a importante revista literária Blätter für die Kunst. Também esteve no centro de um influente círculo literário e académico conhecido como Georgekreis, que incluía um grande número dos jovens escritores da época (como, por exemplo, Friedrich Gundolf and Ludwig Klages). Para além de partilhar os seus interesses culturais, o círculo artístico reflectia sobre temas místicos e políticos. George conhecia e mantinha uma relação de amizade com a "Condessa Boémia" de Schwabing, Fanny zu Reventlow, que por vezes satirizava o grupo pelas suas opiniões e actividades melodramáticas. George era, politicamente, de um conservadorismo extremo. Era homossexual e liderou e exortou o círculo dos seus jovens amigos a levar uma vida celibatária.

Em 1914, logo no início da Primeira Grande Guerra, previu um final triste para a Alemanha e, entre 1914 e 1916, escreveu um poema em tons muito pessimistas, intitulado Der Krieg (A Guerra). O desenlace da guerra viu confirmados os seus piores receios.

Em 1933, após a tomada de poder pelos Nazis, Joseph Goebbels ofereceu-lhe a presidência de uma nova Academia de Artes a ser criada, o que ele recusou, tendo-se também mantido afastado das celebrações oficiais do seu 65º aniversário. Viajou para a Suíça onde viria a morrer perto de Locarno. Após a sua morte, o seu corpo foi enterrado antes que uma delegação do governo Nacional-Socialista tivesse tempo de chegar.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

(FOUR QUARTETS) Little Gidding


Part V

What we call the beginning is often the end
And to make and end is to make a beginning.
The end is where we start from. And every phrase
And sentence that is right (where every word is at home,
Taking its place to support the others,
The word neither diffident nor ostentatious,
An easy commerce of the old and the new,
The common word exact without vulgarity,
The formal word precise but not pedantic,
The complete consort dancing together)
Every phrase and every sentence is an end and a beginning,
Every poem an epitaph. And any action
Is a step to the block, to the fire, down the sea's throat
Or to an illegible stone: and that is where we start.
We die with the dying:
See, they depart, and we go with them.
We are born with the dead:
See, they return, and bring us with them.
The moment of the rose and the moment of the yew-tree
Are of equal duration. A people without history
Is not redeemed from time, for history is a pattern
Of timeless moments. So, while the light fails
On a winter's afternoon, in a secluded chapel
History is now and England.

With the drawing of this Love and the voice of this
Calling

We shall not cease from exploration
And the end of all our exploring
Will be to arrive where we started
And know the place for the first time.
Through the unknown, unremembered gate
When the last of earth left to discover
Is that which was the beginning;
At the source of the longest river
The voice of the hidden waterfall
And the children in the apple-tree
Not known, because not looked for
But heard, half-heard, in the stillness
Between two waves of the sea.
Quick now, here, now, always—
A condition of complete simplicity
(Costing not less than everything)
And all shall be well and
All manner of thing shall be well
When the tongues of flame are in-folded
Into the crowned knot of fire
And the fire and the rose are one.


T.S. Eliot
- Little Gidding, No. 4 of "Four Quartets"
(No. 4 of 'Four Quartets')

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Dieppe

1.

de novo o último refluxo
os pedregulhos mortos
a meia-volta e após as escalas
rumo à antiga iluminação

2.

eu sou aquele curso de areia que passa
entre o cascalho e a duna
a chuva do verão chove sobre minha vida
sobre mim minha vida me vai me caça
e termina no dia da sua iniciação

momento querido eu te vejo
nesta cortina de névoa que desmancha
quando eu já não piso nestas longas soleiras movediças
e vivo o tempo de uma porta
que se abre e se fecha

3.

o que eu faria deste mundo sem rosto sem perguntas
onde ser não dura mais que um instante onde cada instante
flui pelo vazio o esquecimento de ter sido
sem esta onda onde no fim
corpo e sombra juntos são tragados
o que eu faria sem este silêncio garganta dos murmúrios
ofegando furiosos para o salvamento para o amor
sem este céu que se eleva
da poeira do seu lastro

o que eu faria eu faria como ontem e como hoje
cuidando pela minha janela se eu não estou só
a passear e a virar pra longe de toda a vida
dentro de um espaço fantoche
sem voz entre as vozes
trancadas aqui comigo

4.

eu quero que o meu amor morra
que ele chova sobre o cemitério
e ruelas em que eu vá
lamentando a que pensou me amar

Samuel Beckett
Tradução do original ao português, auxiliado pela versão em inglês,
Adriandos Delima


Dieppe


«Again the last ebb
the dead shingle
the turning then the steps
toward the lighted town

my way is in the sand
flowing between the shingle and the dune
the summer rain rains on my life, on me
my life harrying fleeing
to its beginning to this end

my peace is there in the receding mist
when I may cease
from treading these long shifting thresholds
and live the space of a door
that opens and shuts

what would I do without this world faceless incurious
where to be lasts but an instant
where every instant spills in the void
the ignorance of having been without
this wave where in the end
body and shadow together are engulfed

what would I do without this silence where the murmurs die
the paintings the frenzies toward succour towards love
without this sky that soars
above it's ballast dust

what would I do what I did yesterday and the day before
peering out of my deadlight looking for another
wandering like me eddying far from all the living
in a convulsive space
among the voices voiceless
that throng my hiddenness

I would like my love to die
and the rain to be falling on the graveyard
and on me walking the streets
mourning the first and last to love me»

SAMUEL BECKETT / 1948