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sexta-feira, 8 de abril de 2011

Um poema de Graça Pires (Portugal)



Contra o silencio lemos a meia voz: ponham laços
de crepe nos pescoços das pombas da cidade.
Que os policias de transito usem luvas pretas
de algodão. Voltamos a ler e as palavras de Auden
ecoam como um réquiem pelos sonhos
profanados em mãos funestas.
Depois não sabemos como evitar o luto,
ou culpa, ou a solidão.


Graça Pires
In: A incidência da luz

quarta-feira, 10 de março de 2010

É Outono



Faço um barco de papel e embarco, rumo às cenas
baralhadas de um sonho qualquer.
É outono e não sei dizer quem sou ou o que quero ser.
Os meus olhos são rios de palavras afogadas,
onde só posso ver a minha imagem disfarçada de mim.
Percorro então, uma a uma, as horas por viver
e descubro um arco-íris na minha boca
a gritar uma insónia íntima.

Dentro do meu sono ainda me perturba
a tua imagem, miragem do meu deserto
vencido, demora da minha espera.
Era feito de mármore o silêncio
dos teus olhos e por ele escorriam
as palavras que eu dizia, como se fossem água.
Esse silêncio doeu na minha voz,
quando as minhas mãos violaram os gestos
e, entre nós, ficou intacto o diálogo.
Sei agora a cor exacta do vinho
com que brindei à primavera em nome
da presença que tu eras e hoje, ao recordar-te,
sublinhei o sentido dos sonhos e do vento.
Foi o tempo em que a neve presente no teu rosto
gelou os meus lábios até à transparência.

Graça Pires
De Outono: lugar fragil, 1993