quarta-feira, 10 de março de 2010

É Outono



Faço um barco de papel e embarco, rumo às cenas
baralhadas de um sonho qualquer.
É outono e não sei dizer quem sou ou o que quero ser.
Os meus olhos são rios de palavras afogadas,
onde só posso ver a minha imagem disfarçada de mim.
Percorro então, uma a uma, as horas por viver
e descubro um arco-íris na minha boca
a gritar uma insónia íntima.

Dentro do meu sono ainda me perturba
a tua imagem, miragem do meu deserto
vencido, demora da minha espera.
Era feito de mármore o silêncio
dos teus olhos e por ele escorriam
as palavras que eu dizia, como se fossem água.
Esse silêncio doeu na minha voz,
quando as minhas mãos violaram os gestos
e, entre nós, ficou intacto o diálogo.
Sei agora a cor exacta do vinho
com que brindei à primavera em nome
da presença que tu eras e hoje, ao recordar-te,
sublinhei o sentido dos sonhos e do vento.
Foi o tempo em que a neve presente no teu rosto
gelou os meus lábios até à transparência.

Graça Pires
De Outono: lugar fragil, 1993

2 comentários:

  1. Amiga, sendo hoje dia 14 de Março, o Dia Nacional da Poesia aí no Brasil, não podia deixar de passar por aqui, para lhe desejar um dia cheio de alegria e inspiração e que esta cresça cada vez mais e se traduza em lindas poesias cheias de sentimento, como as que aqui nos deixa.
    Bjs
    Maria

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