domingo, 30 de agosto de 2009

'Plenitude'


(Fotografia:Simone Albuquerque)


A pedra, o vento, a luz alteada,
o salso mar eterno, o grito
do mergulhão, sob o infinito azul:


— Deus não me deve nada.


Helio Pellegrino
(Minas Gerais-1924-1988)

sábado, 29 de agosto de 2009

Jacob Pinheiro Goldberg



A pausa.
Que não espera
e muito menos,
busca.

Descanso, embalo
dum fim que se aproxima
a hora mutante,
aquele minuto em que
o mundo cessa,
e tudo se esclarece ou,
às vezes, para sempre,
escurece.


Jacob Pinheiro Goldberg
(Minas Gerais)

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

VALSA DO ADEUS



Tudo é partida de navio, velas
ao vento, coisas desancoradas
que se desgarram. Este copo, esta pedra
que pronuncio não são palavras, nem
versos de amor, nem o sopro
vivificante do espírito. São barcos
arrastados pelo tempo, cascas
de fruta na enxurrada, lenços
de adeus, enquanto o vapor se afasta,
e de longe ilumina essa ausência que somos.


Hélio Pelllegrino-
in: 'Minérios Domados'

Mar Alto



Esta água é todas as águas,
sem porto, nome ou naufrágio.
Rendada de espuma ao vento,
sem dor nem contentamento.

Esta água — lugar nenhum —
é perdição sem loucura.
Nela se dissolvem mágoa,
memória, tempo, aventura.

Sem lei nem rei, sem fronteiras,
além de verbo e silêncio,
esta é a pátria procurada:
incêndio de tudo — nada.

Hélio Pellegrino
(Minas Gerais 1924-1988)

Jacob Pinheiro Goldberg

Teresa Balté

terça-feira, 25 de agosto de 2009

XXV



Lightly come or lightly go:

Though thy heart presage thee woe,
Vales and many a wasted sun,

Oread let thy laughter run,
Till the irreverent mountain air
Ripple all thy flying hair.
Lightly, lightly -- - ever so:

Clouds that wrap the vales below
At the hour of evenstar

Lowliest attendants are;
Love and laughter song-confessed
When the heart is heaviest.

James Joyce
in: Chamber Music

XXXII



Rain has fallen all the day.

O come among the laden trees:
The leaves lie thick upon the way

Of memories.
Staying a little by the way

Of memories shall we depart.
Come, my beloved, where I may

Speak to your heart.


James Joyce
in: Chamber Music

sábado, 22 de agosto de 2009

IGNORANT SKY



The well-built house has fallen to the ground.
There is no God among us anymore.
Our bay leaves wither, our prophets are a bore
And not a single new spring has been found.
So you made a cockpit of your bedroom
And opening electronic windows up
You scan the universe for kicks, and zoom
A distant face to get a fake close up;
And yet when everything's quite like a lie
And only what is terrible seems true
You find within your heart a strange devotion
Toward that star against an ignorant sky:
You know its shimmering artificial blue
Has been delivered by the deepest ocean.

Antônio Cícero
(Brasil-Rio de Janeiro 1.945)

Sophia de Mello Bryner Andresen



Formatação da amiga Leila Derze, um dos sites mais lindos que conheço.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

VI



In my garden,
the winds have beaten
the ripe lilies;
in my garden, the salt
has wilted the first flakes
of young narcissus,
and the lesser hyacinth
and the salt has crept
under the leaves of the white hyacinth.

In my garden
even the wind-flowers lie fiat,
broken by the wind at last.


Hilda Doolittle
(EUA, 1886-1961)

Desert



Where there’s a river
that tastes of direction.

Where there’s on orchard,
that says survival.

Where there’s a desert,
that changes everything,

as if hadn’t wanted
to fill only her own need.


Patricia Hooper
(Birmingham, Michigan-EUA-1941)

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

LINGUAGEM


(Photo by Philippe Sainte-Laudy)


O sol nos fala com luz; com cor
e com perfume nos fala a flor;
com nuvens, chuva e neve nos fala
o ar. Há no sacrário do mundo
um incontido afã de romper
com a mudez das coisas e expor
em gesto e som, em palavra e cor,
todo o mistério que envolve o ser.
A clara fonte das artes flui
para a palavra, a revelação;
para o mental flui o mundo, e aclara
em lábio humano um saber eterno.
Pela linguagem a vida anseia:
em verbo, cifra, cor, linha som,
conjura-se a nossa aspiração
e um alto trono aos sentidos ergue.
Como na flor o vermelho e o azul,
na palavra do poeta volta-se
para dentro a obra de criação,
sempre a iniciar-se e e acabar jamais.
Onde palavra e som se combinam,
e soa o canto, a arte se revela,
e cada cântico e cada livro,
cada imagem, é uma descoberta
- uma milésima tentativa
de cumprimento da vida una
A penetrar nessa vida una
vos chama a música, a poesia:
para entender a criação vária,
já e bastante um olhar no espelho.
O que confuso antes´parecia,
é claro e simples na poesia:
a nuvem chove, a flor ri, o mudo
fala - o mundo faz sentido em tudo.

Hermann Hesse
In Andares

P Á S S A R O S



Nos meus poemas não há pássaros
aflitos dentro dos versos,
bicos metidos entre as rimas
na angustia dos vôos livres.


Amo as aves revoluteando no ar
a liberdade em plena luz,
que não é querer nem cogitar
mas a forma mesma do corpo.


Asas irrequietas receosas
inconstantes buliçosas
o que voam são os olhos
acesos desconfiados vigilantes
perscrutando inimigos, vitimas, distancias,
adivinhando flores antevendo ninhos.



Miguel Reale
In: Poemas do Amor e do Tempo

sábado, 15 de agosto de 2009

A NOITE SE TORNA MAIS ESCURA...



Diante de mim a noite se torna mais escura,
As rajadas do vento são mais frias e selvagens.
E eu, aprisionada a este sortilégio,
Não posso mais partir.

Gigantes, as árvores se arqueiam,
Galhos nus sob a pesada neve;
Já a tempestade inclina mais baixo a sua fronte,
Por isto não posso mais partir.

Sobre mim o espaço e as nuvens;
Os desertos desaguam aos meus pés.
As solidões não me comovem mais;
A vontade se acha extinta,
Não posso mais partir.


Emily Brontë
Tradução de Lúcio Cardoso.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

CARGA



Um livro pequeno:
não levei comigo
mais do que um livrinho fino,
assim como uma folha,
assim como uma vida humana.


Pensei que me fosse doer a espinha,
que me doesse o nome
que irá carregá-lo.

Marin Sorescu
Tradução Guilherme de Almeida
(Romênia 1936 - 1995)

L’Idéal



La lune est grande, le ciel clair
Et plein d’astres, la terre est blême,
Et l’âme du monde est dans l’air.
Je rêve à l’étoile suprême,

À celle qu’on n’aperçoit pas,
Mais dont la lumière voyage
Et doit venir jusqu’ici-bas
Enchanter les yeux d’un autre âge.

Quand luira cette étoile, un jour,
La plus belle et la plus lointaine,
Dites-lui qu’elle eut mon amour,
Ô derniers de la race humaine !

Sully Prudhomme
(France 1839-1907)
Dans: Stances de Poèmes (1865)

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Pluie



Il pleut. J’entends le bruit égal des eaux ;
Le feuillage, humble et que nul vent ne berce,
Se penche et brille en pleurant sous l'averse ;
Le deuil de l’air afflige les oiseaux.

La bourbe monte et trouble la fontaine,
Et le sentier montre à nu ses cailloux.
Le sable fume, embaume et devient roux ;
L’onde à grands flots le sillonne et l’entraîne.

Tout l’horizon n’est qu’un blême rideau ;
La vitre tinte et ruisselle de gouttes ;
Sur le pavé sonore et bleu des routes
Il saute et luit des étincelles d’eau.

Le long d’un mur, un chien morne à leur piste,
Trottent, mouillés, de grands boeufs en retard ;
La terre est boue et le ciel est brouillard ;
L’homme s’ennuie : oh ! que la pluie est triste


Sully Prudhomme
(France1839-1907)

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Elegia



Colham-se as rosas na manhã da vida;
Ao menos no fugir da primavera,
Das flores os perfumes se respirem.
O peito se franqueie aos castos gozos;
Amemos sem medida, ó cara amante!

Quando o nauta, no meio da tormenta,
Vê o frágil baixel quase afundir-se,
Às praias que deixou dirige as vistas,
E tarde chora a paz que ali gozava.
Ah! quanto dera por volver o triste
Aos amigos da aldeia, ao lar paterno,
E de novo passar junto à que adora
Dias talvez sem glória, mas tranqüilos!

Assim um velho, curvo ao pêso d'anos,
Da mocidade, em vão, os tempos chora;
Diz: "Volvei-me essas horas profanadas
De que eu, ó céus, não soube aproveitar-me".
Só lhe responde a morte; os céus são surdos
E inflexíveis o arrojam ao sepulcro,
Não consentindo que se abaixe ao menos,
A apanhar essas flores desprezadas.

Amemos, vida minha!
E riamos do afã que os homens levam
Atrás de um fumo vão que lhes consome
Metade da existência, esperdiçada
Em sonhos e quimeras.

Não invejemos seu orgulho estéril;
Deixemos à ambição os seus castelos;
Mas nós, da hora incertos,
Tratemos de esgotar da vida a taça,
Enquanto as mãos a empunham.

Quer os louros nos cinjam,
E, nos fastos sangrentos de Belona,
Nosso nome se inscreva em bronze e mármore;
Quer da singela flor que as belas colhem
Se entrance a humilde c'roa,
Vamos todos saltar na mesma praia.

De que val, no momento do naufrágio,
Em pomposo galeão ir navegando,
Ou num batel ligeiro,
Solitário viajante,
Ter só junto da margem bordejando?


Alphonse de Lamartine
Tradução de Castro Alves
(1790 - 1869, França)

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

"Nightbound"



"I sip the nights,
I'm the restless longings
of past sheperds & primordial bards

(an elated zombie
eternally wandering , am I? )

the spell of sleeping waves,
the tranquility seas, the mystery capes,
the arborial secretive design,

I'm Orion's hunter and magi,
the nocturnal, inebriated wine,

I'm the one who drinks and weeps
amber beads at night,
some Gods' wink -

Hush! - but a dream ? -

I'm the moons’ transfigured light ...."


(F. Campanella)

Eu sorvo as noites
Eu sou inquietas saudades
De esquecidos pastores
E bardos primordiais

(um extático zumbi
Eternamente vagando, seria eu?)

a magia de ondas adormecidas,
os mares de tranqüilidade
os cabos misteriosos
o desenho incógnito das árvores

eu sou de Orion o caçador
E os magos , o vinho noturno
Inebriado

o que bebe e lacrimeja
gotas de âmbar à noite,

algum piscar dos deuses

- Silêncio! – apenas um sonho? –

eu sou da lua a luz transfigurada.

Fernando Campanella

domingo, 9 de agosto de 2009

Amo você



O dia amanheceu chuvoso.
A natureza chora.
Chora também meu coração.
A saudade
que sua ausência me trás,
Aperta-me o peito.
Sufoca em mim a voz
Que teima em querer
Gritar alto e para todos,
o quanto amo você.
Mas o grito fica retido
No vazio da solidão
Em que me encontro.
Resta-me apenas o consolo
De poder molhar meu rosto
Nas águas da chuva
E misturar minhas lágrimas
Às lágrimas da natureza
Deixando-as, juntas, caírem
Fertilizando o solo que nos sustenta.


Marisa Nieri
(Marisa Nieri de Toledo Soares-SP-Brasil)

domingo, 2 de agosto de 2009

'Autumnal'



Pale amber sunlight falls across
The reddening October trees,
That hardly sway before a breeze
As soft as summer: summer’s loss
Seems little, dear! on days like these.

Let misty autumn be our part!
The twilight of the year is sweet:
Where shadow and the darkness meet
Our love, a twilight of the heart
Eludes a little time’s deceit.

Are we not better and at home
In dreamful Autumn, we who deem
No harvest joy is worth a dream?
A little while and night shall come,
A little while, then, let us dream.

Beyond the pearled horizons lie
Winter and night: awaiting these
We garner this poor hour of ease,
Until love turn from us and die
Beneath the drear November trees.


Ernest Dowson
(England 1867-1900)

Chuva



A chuva fina molha a paisagem lá fora.
O dia está cinzento e longo... Um longo dia!
Tem-se a vaga impressão de que o dia demora...
E a chuva fina continua, fina e fria,
Continua a cair pela tarde, lá fora.


Da saleta fechada em que estamos os dois,
Vê-se, pela vidraça, a paisagem cinzenta:
A chuva fina continua, fina e lenta...
E nós dois em silêncio, um silêncio que aumenta
se um de nós vai falar e recua depois.


Dentro de nós existe uma tarde mais fria...


Ah! Para que falar? Como é suave, branda,
O tormento de adivinhar — quem o faria? —
As palavras que estão dentro de nós chorando...


Somos como os rosais que, sob a chuva fria,
Estão lá fora no jardim se desfolhando.


Chove dentro de nós... Chove melancolia...



Ribeiro Couto
São Paulo-1898-1963)