sexta-feira, 8 de julho de 2011

Dieppe

1.

de novo o último refluxo
os pedregulhos mortos
a meia-volta e após as escalas
rumo à antiga iluminação

2.

eu sou aquele curso de areia que passa
entre o cascalho e a duna
a chuva do verão chove sobre minha vida
sobre mim minha vida me vai me caça
e termina no dia da sua iniciação

momento querido eu te vejo
nesta cortina de névoa que desmancha
quando eu já não piso nestas longas soleiras movediças
e vivo o tempo de uma porta
que se abre e se fecha

3.

o que eu faria deste mundo sem rosto sem perguntas
onde ser não dura mais que um instante onde cada instante
flui pelo vazio o esquecimento de ter sido
sem esta onda onde no fim
corpo e sombra juntos são tragados
o que eu faria sem este silêncio garganta dos murmúrios
ofegando furiosos para o salvamento para o amor
sem este céu que se eleva
da poeira do seu lastro

o que eu faria eu faria como ontem e como hoje
cuidando pela minha janela se eu não estou só
a passear e a virar pra longe de toda a vida
dentro de um espaço fantoche
sem voz entre as vozes
trancadas aqui comigo

4.

eu quero que o meu amor morra
que ele chova sobre o cemitério
e ruelas em que eu vá
lamentando a que pensou me amar

Samuel Beckett
Tradução do original ao português, auxiliado pela versão em inglês,
Adriandos Delima


Dieppe


«Again the last ebb
the dead shingle
the turning then the steps
toward the lighted town

my way is in the sand
flowing between the shingle and the dune
the summer rain rains on my life, on me
my life harrying fleeing
to its beginning to this end

my peace is there in the receding mist
when I may cease
from treading these long shifting thresholds
and live the space of a door
that opens and shuts

what would I do without this world faceless incurious
where to be lasts but an instant
where every instant spills in the void
the ignorance of having been without
this wave where in the end
body and shadow together are engulfed

what would I do without this silence where the murmurs die
the paintings the frenzies toward succour towards love
without this sky that soars
above it's ballast dust

what would I do what I did yesterday and the day before
peering out of my deadlight looking for another
wandering like me eddying far from all the living
in a convulsive space
among the voices voiceless
that throng my hiddenness

I would like my love to die
and the rain to be falling on the graveyard
and on me walking the streets
mourning the first and last to love me»

SAMUEL BECKETT / 1948

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