quinta-feira, 28 de julho de 2011

Canto Noturno I


Mel e medo
Sou avesso
Orla e rumo
Meu destino.

Chuva e outono
Com a morte
Brilho e flor
Com a vida.

O que fiz
O que ardi
O que sei
O que sou:

Um incêndio
Que se apaga
Uma canção
Que se acaba.


Stefan George*
(Do livro “TAPETE DA VIDA E CANÇÕES DE SONHO E MORTE COM UM PRELÚDIO” (1899)



Stefan Anton George

(Bingen, Hesse, 12 de julho, 1868 – Locarno, 4 de dezembro, 1933) foi um tradutor e poeta Alemão.

Viveu em Paris, encontrando-se entre os escritores e artistas que frequentavam os serões das terças-feiras do poeta Stéphane Mallarmé. Começou a publicar poesia na década de 1890, quando ainda não tinha 30 anos de idade. George fundou e editou a importante revista literária Blätter für die Kunst. Também esteve no centro de um influente círculo literário e académico conhecido como Georgekreis, que incluía um grande número dos jovens escritores da época (como, por exemplo, Friedrich Gundolf and Ludwig Klages). Para além de partilhar os seus interesses culturais, o círculo artístico reflectia sobre temas místicos e políticos. George conhecia e mantinha uma relação de amizade com a "Condessa Boémia" de Schwabing, Fanny zu Reventlow, que por vezes satirizava o grupo pelas suas opiniões e actividades melodramáticas. George era, politicamente, de um conservadorismo extremo. Era homossexual e liderou e exortou o círculo dos seus jovens amigos a levar uma vida celibatária.

Em 1914, logo no início da Primeira Grande Guerra, previu um final triste para a Alemanha e, entre 1914 e 1916, escreveu um poema em tons muito pessimistas, intitulado Der Krieg (A Guerra). O desenlace da guerra viu confirmados os seus piores receios.

Em 1933, após a tomada de poder pelos Nazis, Joseph Goebbels ofereceu-lhe a presidência de uma nova Academia de Artes a ser criada, o que ele recusou, tendo-se também mantido afastado das celebrações oficiais do seu 65º aniversário. Viajou para a Suíça onde viria a morrer perto de Locarno. Após a sua morte, o seu corpo foi enterrado antes que uma delegação do governo Nacional-Socialista tivesse tempo de chegar.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

(FOUR QUARTETS) Little Gidding


Part V

What we call the beginning is often the end
And to make and end is to make a beginning.
The end is where we start from. And every phrase
And sentence that is right (where every word is at home,
Taking its place to support the others,
The word neither diffident nor ostentatious,
An easy commerce of the old and the new,
The common word exact without vulgarity,
The formal word precise but not pedantic,
The complete consort dancing together)
Every phrase and every sentence is an end and a beginning,
Every poem an epitaph. And any action
Is a step to the block, to the fire, down the sea's throat
Or to an illegible stone: and that is where we start.
We die with the dying:
See, they depart, and we go with them.
We are born with the dead:
See, they return, and bring us with them.
The moment of the rose and the moment of the yew-tree
Are of equal duration. A people without history
Is not redeemed from time, for history is a pattern
Of timeless moments. So, while the light fails
On a winter's afternoon, in a secluded chapel
History is now and England.

With the drawing of this Love and the voice of this
Calling

We shall not cease from exploration
And the end of all our exploring
Will be to arrive where we started
And know the place for the first time.
Through the unknown, unremembered gate
When the last of earth left to discover
Is that which was the beginning;
At the source of the longest river
The voice of the hidden waterfall
And the children in the apple-tree
Not known, because not looked for
But heard, half-heard, in the stillness
Between two waves of the sea.
Quick now, here, now, always—
A condition of complete simplicity
(Costing not less than everything)
And all shall be well and
All manner of thing shall be well
When the tongues of flame are in-folded
Into the crowned knot of fire
And the fire and the rose are one.


T.S. Eliot
- Little Gidding, No. 4 of "Four Quartets"
(No. 4 of 'Four Quartets')

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Dieppe

1.

de novo o último refluxo
os pedregulhos mortos
a meia-volta e após as escalas
rumo à antiga iluminação

2.

eu sou aquele curso de areia que passa
entre o cascalho e a duna
a chuva do verão chove sobre minha vida
sobre mim minha vida me vai me caça
e termina no dia da sua iniciação

momento querido eu te vejo
nesta cortina de névoa que desmancha
quando eu já não piso nestas longas soleiras movediças
e vivo o tempo de uma porta
que se abre e se fecha

3.

o que eu faria deste mundo sem rosto sem perguntas
onde ser não dura mais que um instante onde cada instante
flui pelo vazio o esquecimento de ter sido
sem esta onda onde no fim
corpo e sombra juntos são tragados
o que eu faria sem este silêncio garganta dos murmúrios
ofegando furiosos para o salvamento para o amor
sem este céu que se eleva
da poeira do seu lastro

o que eu faria eu faria como ontem e como hoje
cuidando pela minha janela se eu não estou só
a passear e a virar pra longe de toda a vida
dentro de um espaço fantoche
sem voz entre as vozes
trancadas aqui comigo

4.

eu quero que o meu amor morra
que ele chova sobre o cemitério
e ruelas em que eu vá
lamentando a que pensou me amar

Samuel Beckett
Tradução do original ao português, auxiliado pela versão em inglês,
Adriandos Delima


Dieppe


«Again the last ebb
the dead shingle
the turning then the steps
toward the lighted town

my way is in the sand
flowing between the shingle and the dune
the summer rain rains on my life, on me
my life harrying fleeing
to its beginning to this end

my peace is there in the receding mist
when I may cease
from treading these long shifting thresholds
and live the space of a door
that opens and shuts

what would I do without this world faceless incurious
where to be lasts but an instant
where every instant spills in the void
the ignorance of having been without
this wave where in the end
body and shadow together are engulfed

what would I do without this silence where the murmurs die
the paintings the frenzies toward succour towards love
without this sky that soars
above it's ballast dust

what would I do what I did yesterday and the day before
peering out of my deadlight looking for another
wandering like me eddying far from all the living
in a convulsive space
among the voices voiceless
that throng my hiddenness

I would like my love to die
and the rain to be falling on the graveyard
and on me walking the streets
mourning the first and last to love me»

SAMUEL BECKETT / 1948