sábado, 28 de novembro de 2009

ESTA É A GRAÇA



Esta é a graça dos pássaros:
cantam enquanto esperam.
E nem ao menos sabem o que esperam.


Será porventura a morte, o amor?
Talvez a noite com nova estrela,
a pátina de ouro do tempo,
alguma cousa de precário
assim como para o soldado a paz?


Com grave mistério de reposteiros
um augúrio dimana, incessante,
do marulho das fontes sob pedras,
do bulício das samambaias no horto.


No ladrido dos cães à vista da lua,
acima do desejo e da fome,
pervaga um longo desespero
em busca de tangente inefável.


O mesmo silencio da madrugada
prenuncia, sem duvida, um evento
que já não é o grito da aurora
ao macular de sangue a túnica.


E minha voz perdura neste concerto
com a vibração e o temor de um violino
pronto a estalar em holocausto
as próprias cordas demasiado tensas.



Henriqueta Lisboa
In:'A Flor da Morte' (1945-1949)

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