segunda-feira, 26 de outubro de 2009

SERENATA



As glandes do pinheiro e a folhagem das bétulas
Cobriram teu telhado, onde a erva murchou.
Dorme em teu leito de palha, dorme feliz e tranqüila
à sombra das nuvens que a noite semeou.

Quando o inverno vier bater à tua porta,
vestido de branco, tal qual um pretendente,
sonha então um sonho bom que te acalente
ao abrigo de tuas paredes de madeira.

Sonha com o vento do verão, a cantar e a brincar,
embora gema lá fora a tempestade.
Sonha que sob a verde abóbada das bétulas
Repousas adormecida nos meus braços.


Erik Axel Karlfeldt
in Poesias
Tradução Ivo Barroso

Erik Axel Karlfeldt
The Nobel Prize in Literature 1931.

(1864-1931)

OUTRORA E HOJE



Meu dia outrora principiava alegre;
No entanto à noite eu chorava. Hoje,
mais velho,
Nascem-me em dúvida os dias, mas
Findam sagrada, serenamente.


Friedrich Hölderlin
Tradução de Manuel Bandeira

O CURSO DA VIDA



O meu espírito soltava-se nos céus, mas o
amor
Em breve o fez descer: a dor curva-o mais
para a frente ainda.
Percorro, assim, a órbita da vida
Para voltar à origem de onde vim.

Friedrich Holderlin
Trd, Manuel Bandeira

domingo, 25 de outubro de 2009

7



Em mim a morte, em ti minha vida;
tu distingues e concedes e divides o tempo;
o quanto quiseres, breve e longo é meu viver.
Feliz estou com sua cortesia.
Feliz da alma que não vê correr o tempo,
por ti passou a contemplar a Deus.

Michelangelo
in Poemas
Tradução de Nilson Moulin

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

'A Song Of Eternity In Time'



Once, at night, in the manor wood
My Love and I long silent stood,
Amazed that any heavens could
Decree to part us, bitterly repining.
My Love, in aimless love and grief,
Reached forth and drew aside a leaf
That just above us played the thief
And stole our starlight that for us was shining.


A star that had remarked her pain
Shone straightway down that leafy lane,
And wrought his image, mirror-plain,
Within a tear that on her lash hung gleaming.
"Thus Time," I cried, "is but a tear
Some one hath wept 'twixt hope and fear,
Yet in his little lucent sphere
Our star of stars, Eternity, is beaming."


Sidney Lanier
(1842-1881 / Macon / Georgia)

DA REALIDADE



Que renda fez a tarde no jardim,
Que há cedros que parecem de enxoval?
Como é difícil ver o natural
Quando a hora não quer!
Ah! Não digas que não ao que os teus olhos
Colham nos dias de irrealidade.
Tudo então é verdade,
Toda a rama parece
Um tecido que tece
A eternidade.


Miguel Torga
In: Antologia Poética

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

RAMO EM FLOR



Para cá e para lá
sempre se inclina ao vento o ramo em flor,
para cima e para baixo
sempre meu coração vai feito uma criança
entre claros e nebulosos dias,
entre ambições e renúncias.
Até que as flores se espalham
e o ramo se enche de frutos,
até que o coração farto de infância
alcança a paz
e confessa: de muito agrado e não perdida
foi a inquieta jogada da vida.



Hermann Hesse
In: Andares

DE PASSAGEM



Não fiques triste: já vem vindo a noite
quando veremos sobre a terra esbranquiçada
a Lua fria, como que a rir-se por dentro,
e então descansaremos de mãos dadas.


Não fiques triste: já vem vindo o tempo
quando teremos sossego. Nossas cruzinhas estão
erguidas juntas na margem clara da vida,
chove e neva,
e os ventos vem e vão.



Hermann Hesse
In: Andares

Frühlingsglaube



Die linden Lüfte sind erwacht,
Sie säuseln und weben Tag und Nacht,
Sie schaffen an allen Enden.
O frischer Duft, o neuer Klang!
Nun, armes Herze, sei nicht bang!
Nun muß sich alles, alles wenden.

Die Welt wird schöner mit jedem Tag,
Man weiß nicht, was noch werden mag,
Das Blühen will nicht enden.
Es blüht das fernste, tiefste Tal:
Nun, armes Herz, vergiß der Qual!
Nun muß sich alles, alles wenden.

Johann Ludwig Uhland
(Germany)

Faith in Spring

The gentle winds are awakened,
They murmur and waft day and night,
They create in every corner.
Oh fresh scent, oh new sound!
Now, poor dear, fear not!
Now everything, everything must change.

The world becomes more beautiful with each day,
One does not know what may yet happen,
The blooming doesn't want to end.
The farthest, deepest valley blooms:
Now, poor dear, forget the pain!
Now everything, everything must change.


Johann Ludwig Uhland
Translation by Hyde Flippo


Primavera

Despertam docemente as brisas.
Sopram serenas, noite e dia,
por toda a parte a sussurrar.
Aroma tenro, nova melodia.
Agora, pobre coração, reanima-te:
Agora tudo, tudo mudará.

Faz-se o mundo mais belo cada dia.
Se o momento presente é tão feliz
o amanhã que surpresas não trará!
Floresce ao longe o vale mais sombrio.
Agora, pobre coração, esquece a mágoa
Agora, tudo, tudo mudará.

Johann Ludwig Uhland
Trad.: Henriqueta Lisboa

Evening clouds


Clouds seh I abendwaerts
Completely dipped into purest glow,
Clouds in light zerhaucht completely,
Had so stifling darkened.
Yes! my suspecting heart says to me:
Once still it becomes whether also late,
When the sun comes down,
Me the soul shade clarifies.

Johann Ludwig Uhland
(Germany-1787-1862)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Canção breve



Tudo me prende à terra onde me dei:
o rio subitamente adolescente,
a luz tropeçando nas esquinas,
as areias onde ardi impaciente.

Tudo me prende do mesmo triste amor
que há em saber que a vida pouco dura,
e nela ponho a esperança e o calor
de uns dedos com restos de ternura.

Dizem que há outros céus e outras luas
e outros olhos densos de alegria,
mas eu sou destas casas, destas ruas,
deste amor a escorrer melancolia.


Eugénio de Andrade

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Em uma Tarde de Outono



Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono... Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto...

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar inabitado e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos...
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão nascente do arrebol...


Olavo Bilac,
in "Poesias"

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

SINTO-ME DISPERSADO. . .



Sinto-me dispersado
em areia, alga, vento.
Que ficou do passado,
se o que resta é o momento?


Uma caricia vaga,
indecisa, procura
o que a memória apaga;
e de tudo perdura


leve aragem, não mais,
docemente soprando
junto às margens de um cais
que está sempre esperando.


Alphonsus de Guimaraens Filho
In: Antologia Poética

VELEJAR. . .



Velejar para onde?
Para que mundo, acaso,
se esse mundo se esconde
ou nos chega com atraso?


Velejar para que,
se essa mesma distancia
que o coração antevê
com tão profunda ânsia


a nada mais conduz
que ao grande desalento
de ver que tudo é luz
dispersa em água e vento?



Alphonsus de Guimaraens Filho
In: Antologia Poética

CANÇÃO



O leve vento me leve
Para as praias de além-mar.
O leve vento me leve...

Quero um sopro de inocência
Para em luzes me banhar.
Onde estaria a saudade
Que afaga os caminhos mortos
E treme na luz das velas
Nos velórios de além mar?
Quero fugir da loucura
Que prende os corpos no mar.

Em tudo que me esperava
Jamais pureza encontrei.
Fui gemido, tédio, noite,
Fui vagabundo e fui rei.
E me buscando no mundo

No mundo não me encontrei.
Que o leve vento me leve
Para as praias de além-mar.
Que o leve vento me leve,
Me deite em praias macias,
Me dê as bocas macias
Das namoradas do mar.
Quero um sopro de inocência
Para em luzes me banhar.


Alphonsus de Guimaraens Filho
In Nostalgia dos Anjos